Recebi
este (bem tristemente) divertido naco de prosa por mail.
Estou em
crer que, mutatis mutandis a matéria
e a disciplina (disciplina, cadeira; da outra nada se sabe…), e o professor
(geralmente, professora, o que não agrava nem desagrava coisíssima nenhuma) mas
não mutatis mutandis nadinha no que
respeita ao aluno (desculpem a comparação, mas ele, aqui é o mexilhão…), o
problema é de todas as áreas do ensino…
(Os
autores das reformas devem ganhar ao minuto e à palavra. E bem, só pode ser…)
Então
oiçam. E desopilem: riam! (enquanto não for agravado por alguma taxa ou imposto…)
(Que
tristeza de país…)
«A escritora Teolinda Gersão
publicou ontem este texto no Facebook.
«Tempo de exames no secundário, os
meus netos pedem-me ajuda para estudar português. Divertimo-nos imenso,
confesso. E eu acabei por escrever a redacção que eles gostariam de escrever.
As palavras são minhas, mas as ideias são todas deles. Aqui ficam, e espero que
vocês também se divirtam. E depois de rirmos espero que nós, adultos, façamos
alguma coisa para libertar as crianças disto.
Redacção – Declaração de Amor à Língua Portuguesa Vou chumbar a Língua Portuguesa, quase toda a
turma vai chumbar, mas a gente está tão farta que já nem se importa. As aulas
de português são um massacre. A professora? Coitada, até é simpática, o que a
mandam ensinar é que não se aguenta. Por exemplo, isto: No ano passado, quando
se dizia “ele está em casa”, ”em casa” era o complemento circunstancial de
lugar. Agora é o predicativo do sujeito.”O Quim está na retrete” : “na retrete”
é o predicativo do sujeito, tal e qual como se disséssemos “ela é bonita”.
Bonita é uma característica dela, mas “na retrete” é característica dele? Meu
Deus, a setôra também acha que não, mas passou a predicativo do sujeito, e
agora o Quim que se dane, com a retrete colada ao rabo. No ano passado havia complementos
circunstanciais de tempo, modo, lugar etc., conforme se precisava. Mas agora
desapareceram e só há o desgraçado de um “complemento oblíquo”. Julgávamos que
era o simplex a funcionar: Pronto, é tudo “complemento oblíquo”, já está.
Simples, não é? Mas qual, não há simplex nenhum,o que há é um complicómetro a
complicar tudo de uma ponta a outra: há por exemplo verbos transitivos directos
e indirectos, ou directos e indirectos ao mesmo tempo, há verbos de estado e
verbos de evento,e os verbos de evento podem ser instantâneos ou prolongados,
almoçar por exemplo é um verbo de evento prolongado (um bom almoço deve ter
aperitivos, vários pratos e muitas sobremesas). E há verbos epistémicos,
perceptivos, psicológicos e outros, há o tema e o rema, e deve haver coerência
e relevância do tema com o rema; há o determinante e o modificador, o
determinante possessivo pode ocorrer no modificador apositivo e as locuções
coordenativas podem ocorrer em locuções contínuas correlativas. Estão a ver? E
isto é só o princípio. Se eu disser: Algumas árvores secaram, ”algumas” é um
quantificativo existencial, e a progressão temática de um texto pode ocorrer
pela conversão do rema em tema do enunciado seguinte e assim
sucessivamente. No ano passado se
disséssemos “O Zé não foi ao Porto”, era uma frase declarativa negativa. Agora
a predicação apresenta um elemento de polaridade, e o enunciado é de polaridade
negativa. No ano passado, se disséssemos
“A rapariga entrou em casa. Abriu a janela”, o sujeito de “abriu a janela” era
ela, subentendido. Agora o sujeito é nulo. Porquê, se sabemos que continua a
ser ela? Que aconteceu à pobre da rapariga? Evaporou-se no espaço? A professora também anda aflita. Pelo vistos
no ano passado ensinou coisas erradas, mas não foi culpa dela se agora mudaram
tudo, embora a autora da gramática deste ano seja a mesma que fez a gramática
do ano passado. Mas quem faz as gramáticas pode dizer ou desdizer o que quiser,
quem chumba nos exames somos nós. É uma chatice. Ainda só estou no sétimo ano,
sou bom aluno em tudo excepto em português, que odeio, vou ser cientista e
astronauta, e tenho de gramar até ao 12º estas coisas que me recuso a aprender,
porque as acho demasiado parvas. Por exemplo, o que acham de adjectivalização
deverbal e deadjectival, pronomes com valor anafórico, catafórico ou deítico,
classes e subclasses do modificador, signo linguístico, hiperonímia, hiponímia,
holonímia, meronímia, modalidade epistémica, apreciativa e deôntica, discurso e
interdiscurso, texto, cotexto, intertexto, hipotexto, metatatexto, prototexto,
macroestruturas e microestruturas textuais, implicação e implicaturas
conversacionais? Pois vou ter de decorar um dicionário inteirinho de palavrões
assim. Palavrões por palavrões, eu sei dos bons, dos que ajudam a cuspir a raiva.
Mas estes palavrões só são para esquecer, dão um trabalhão e depois não servem
para nada, é sempre a mesma tralha, para não dizer outra palavra (a começar por
t, com 6 letras e a acabar em “ampa”, isso mesmo, claro.) Mas eu estou farto. Farto até de dar erros,
porque me põem na frente frases cheias deles, excepto uma, para eu escolher a
que está certa. Mesmo sem querer, às vezes memorizo com os olhos o que está
errado, por exemplo: haviam duas flores no jardim. Ou : a gente vamos à rua.
Puseram-me erros desses na frente tantas vezes que já quase me parecem certos.
Deve ser por isso que os ministros também os dizem na televisão. E também já
não suporto respostas de cruzinhas, parece o totoloto. Embora às vezes até se
acerte ao calhas. Livros não se lê nenhum, só nos dão notícias de jornais e
reportagens, ou pedaços de novelas. Estou careca de saber o que é o lead, parem
de nos chatear. Nascemos curiosos e inteligentes, mas conseguem pôr-nos a
detestar ler, detestar livros, detestar tudo. As redacções também são sempre
sobre temas chatos, com um certo formato e um número certo de palavras. Só
agora é que estou a escrever o que me apetece, porque já sei que de qualquer
maneira vou ter zero. E pronto, que se lixe, acabei a redacção - agora parece
que se escreve redação. O meu pai diz que é um disparate, e que o Brasil não
tem culpa nenhuma, não nos quer impôr a sua norma nem tem sentimentos de
superioridade em relação a nós, só porque é grande e nós somos pequenos. A
culpa é toda nossa, diz o meu pai, somos muito burros e julgamos que se
escrevermos ação e redação nos tornamos logo do tamanho do Brasil, como se nos
puséssemos em cima de sapatos altos. Mas, como os sapatos não são nossos nem
nos servem, andamos por aí aos trambolhões, a entortar os pés e a manquejar. E
é bem feita, para não sermos burros. E agora é mesmo o fim. Vou deitar a
gramática na retrete, e quando a setôra me perguntar: Ó João, onde está a tua
gramática? Respondo: Está nula e subentendida na retrete, setôra, enfiei-a no
predicativo do sujeito. João Abelhudo,
8º ano, setôra, sem ofensa para si, que até é simpática.»
1 comentário:
Deste modo,é fácil construir uma língua morta...
Quem manda nisto já deve ser alma penada ou,no mínimo,pessoa que não percebe patavina disto.
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