
Tem alguma razão, de facto a “pequena” – comentava eu com um amigo meu sobre a coluna, de hoje, de Helena Matos no Público: «A ignorância da juventude é um espanto!»
A “minha anticomunista primária preferida” (a originalidade da expressão é desse meu amigo, e eu adoptei-a de imediato, mas respeitando-lhe o direito de autor) tem alguma razão, dizia eu. Alguma, se nos quisermos cingir à matéria relevada.
«A geração de 60 é uma geração que tem pouco de que se orgulhar em Portugal. Os de direita não foram capazes de reformar o regime. Os de esquerda não foram capazes de acabar com ele» - sentenciou ela.
A geração de sessenta não tem tão pouco, assim, de que se orgulhar em Portugal, penso eu.
Verdade que a direita não foi capaz de reformar o regime. Além de não ter capacidade para isso – tudo o leva a crer -, não tinha, sobretudo, vontade de o fazer.
Aí, sim, tem razão. Agora quanto à incapacidade de a esquerda o derrubar, aí não tem completa razão: foi em 60 que o regime começou a ser mais seriamente minado. É que derrubar um regime como o do Estado Novo, não é tarefa fácil, como qualquer iniciado em política aceitará. Mas que foi a geração aí (nesses idos) formada que o derrubou na década seguinte... É um facto. E mais: se essa derrocada acabou por ser empreitada mais fácil do que alguém imaginaria, foi porque a acção foi bem preparada e melhor planeada pelos tais bravos soldados, os tais jovens oficiais que, com o gérmen revolucionário de 60, a levaram a cabo.
A colunista tem uma fértil imaginação, mas alguma falta de substrato: nunca me apercebi (e fui testemunha e “actor” desse tempo e desse “palco”) de que essa geração tivesse imaginado “que iria ser eternamente jovem e adorada”, nem que presumisse, com a segurança que ela leva a supor, “que não iria cometer os erros das anteriores”, embora proclamasse que o tentaria a todo o custo.
Essa geração, de facto, “não entende nem aceita que o seu legado” tenha sido “contestado”, mas comprende (com mágoa, é certo) que tenha sido “ignorado”. E entende porque, vivendo os tempos que correm, vê quem lidera na política com maior eficácia e quem nos governa: uma pseudo-esquerda, uma espécie de partido socialista que acamarada e faz o jogo da direita.
A principal revolução que se operou em 60, foi a das mentalidades. Essa é que foi importante. Uma autêntica operação de sanidade mental. E tanto assim que, basta atentar em como a geração de sessenta foi o diabo em figura de gente que apareceu, a fazer-lhe frente e barreira, às gentes de direita, conservadoras, empedernidamente retrógradas e comprovadamente defensoras, porque praticantes, de um repugnante falso moralismo.
Não é preciso alinhar em qualquer raciocínio maniqueísta para atentar que entre a enorme massa de aderentes ao espírito de 60 e depois ao de Abril, havia os genuínos, os conversos e os camaleões, como em qualquer revolução que se desencadeie no mundo dos humanos.
Ou não conhecemos todos, por exemplo, aqueles radicais esquerdelhos que então usavam um palavreado explosivo contra os “capitalistas despudorados”, e hoje se acolhem, e aí prosperam, nessa coutada da direita que foi crescendo com a complacência (senão, mesmo, o apoio) de uma autoproclamada, mas incoerente e farsante “esquerda”, e que construiu uma calculada e conveniente globalização?
Exactamente: falo de Abril e de muitos camaleões que oportunisticamente passaram de assanhados anticapitalistas a militantes conservadores e neoliberais, muito alegre e proveitosamente.
Será que a “marota” da colunista também começou, no ocaso da sua adolescência, por ser uma esquerdista feroz e, virada a casaca, hoje assesta as suas baterias contra a esquerda?
Não seria o primeiro caso. Nem, seguramente, o último.
Mas isso é com cada um.
O que esquerda tem, entre outras coisas, é uma grande tolerância.
Isso, sim.