terça-feira, 6 de julho de 2010
… E, JÁ AGORA…
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Não é só nas suas obras maiores, monumentos únicos lidos em dezenas de línguas estrangeiras em tantos países do mundo, que se sente o pulsar de Saramago, preservando a sua memória, é até mesmo nos “Cadernos de Lanzarote”, o seu diário, repositório de reflexões avulsas, de críticas e opiniões sobre diversos assuntos, de pensamentos e máximas sobre os mistérios da vida e o decurso dos dias que delimitam a nossa curta existência.
Neles toma posição indisfarçável de violenta repulsa acerca do que são os meios e os pretextos para tornar a vida no Mundo cada vez mais insuportável para a maioria dos seus habitantes.
Assim, ao ouvir falar num eventual projecto, do parlamento peruano, de privatizar a exploração de importantes zonas arqueológicas, como Machu Picchu e a cidadela pré-inca de Chan Chan (“la loca carrera privatista de Fujimori”), corria o ano de 1995, logo verte no dia 1 de Setembro toda a raiva e a revolta que lhe vai na alma, ao ponto de rematar a sua indignação com uma frase nada comum na sua fraseologia habitual!
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«Privatize-se Machu Picchu, privatize-se Chan Chan, privatize-se a Capela Sixtina, privatize-se o Pártenon, privatize-se o Nuno Gonçalves, privatize-se a Catedral de Chartres, privatize-se o Descimento da Cruz de António da Crestalcore, privatize-se o Pórtico da Glória de Santiago de Compostela, privatize-se a cordilheira dos Andes, privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for o diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo… E, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos.»
(cfr Cadernos de Lanzarote, Diário-III, págs 147/148, Ed Caminho, 2ª edição, 1996)
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1 comentário:
Tenho os "cadernos" mas não me lembrava. E quem tem a memória de tantas intervenções desse Homem Inteiro? Pelo Mundo fora, pela palavra, pela escrita, pela atitude?
Vês, quando me refiro ao cansaço de quem pode (ou pôde) e não faz, não diz, escusa-se ...? Imperdoável, tanto mais que temos exemplos assim, como ele, da coerência.
Obrigada por lembrares esta tão presente situação (95 já foi há uns anos...).
Abçs.
da bettips
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