sábado, 6 de dezembro de 2008

INÉDITOS: MARGINÁLIAS PESSOANAS




O jovem colombiano Jerónimo Pizarro de 31 anos, expert em matéria pessoana, investigador visitante do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa e coordenador de uma equipa que se dedica, sempre na mira da sua completude, ao estudo do insigne bardo, deixa-nos, no penúltimo número do JL 19NOV/02DEZ), alguns inéditos de Fernando Pessoa (que assim assinava mais frequentemente do que Pessôa, ortografia então igualmente correcta).


Esses inéditos são anotações do poeta nos seus livros e que ora consistem em comentários, ora em sublinhados, ou em versos, por vezes. Impressões, em suma, nas margens ou na contracapa dos livros que formavam a sua biblioteca. Fragmentos, afinal, ou marginálias, digitalizados (muitos milhares de imagens) pelo jovem investigador.
“É possível reconstituir uma espécie de bibliografia intelectual de Pessoa, lendo a as suas leituras, com todas as marcas que deixou durante anos e anos” – explica Jerónimo Pizarro na entrevista concedida ao JL (cit número) e conduzida por Francisca Cunha Rêgo.

Recorda Raquel Nobre Guerra – uma das colaboradoras da equipa coordenada por Jerónimo Pizarro e por Patrício Ferrari – que
“Pessoa escrevia nas margens dos livros, nos espaços em branco e onde houvesse espaço para reter o ápice do seu pensamento. As marginalia coexistem com a sua obra numa autonomia que deve ser lida numa mesma linha hermenêutica do seu corpus poético”.

Das muitas marginálias (a equipa prefere usar o equivalente marginalia, sem dúvida mais erudito – do latim «marginalia») que já foram coligidas e digitalizadas, deixo aqui apenas algumas das que foram publicadas no mencionado número do Jornal de Letras, Artes e Ideias, integrando o tema desta edição com oito páginas sobre Fernando Pessoa, e que, para além dos referidos Inéditos, deixa entrevistas com destacados pessoanos, e ainda “um texto revelador, sob a forma de irónico diálogo entre Pessoa e o seu heterónimo Álvaro de Campos”, da autoria de uma das mais destacadas pessoanas, Teresa Rita Lopes. Tudo isto no ano em que se assinalam os 120 do nascimento do poeta, a dias do colóquio internacional sobre a sua vida e obra, que decorreu de 25 a 28 do mês passado, e, igualmente, a poucos dias em que se comemoraram os 73 anos do seu passamento, no derradeiro dia do mesmo mês.

Deixo os inéditos com a grafia do autor e (para não alongar excessivamente esta abordagem) sem os comentários que os acompanham pelos diversos elementos da equipa multinacional e multidisciplinar coordenada por aqueles dois investigadores, salvo alguma excepção.

Excepção que, desde logo, é aberta na primeira anotação que transcrevo, e exactamente do co-coordenador da equipa:

“Epitaph on a Portuguese
.
monarchical politician
.
..
Here lies a public man of
.
estimation
.
Who governed when his
.
country _____ grown
.
He made his own the
.
sermons of the nation
.
And made the nation’s
.
treasury his own
.
12/6/08” (1908, claro)
.

Na verdade, Patrício Ferrari assinala a presença do epitáfio no livro
The Poetical Works of Thomas Chatterton, de 1886, escrito a lápis na contracapa, tratando-se de “uma forma poetica praticada por Search” (como se sabe um dos seus pré-heterónimos – tal como Charles Robert Anon, “a quem Pessoa atribui uma série de ensaios críticos”).

Pessoa deixou outra anotação no livro de John M Robertson,
Modern Humanist, de 1908:
“Somos um intervallo
.
entre dois intervallos – a
.
vida (espaço entre a
.
nascença e a morte) e o
.
tempo (espaço entre
.
a eternidade e o
.
ephemero).
.
Nós somos uma faúlha que
.
se apaga num vento que
.
passa / sem que possamos
.
dizer que o sentimos
.
passar/”.
.

Outra interessante anotação foi a que o poeta deixou em John M Robertson,
Browning and Tennyson as Teachers. Two Studies, de 1903:
“A poesia é o rhythmo
.
verbal formalmente bello”.
.
Em A. N. Whitehead,
An Introduction to Mathematics deixou este comentário:
“A arte clássica é um caso
.
particular da arte, como o
.
circulo é um caso
.
particular da ellipse”.
.
Já em Thomas Carlyle,
Sartor Resartus; On Heroes, Hero-Worship and the Heroic in History; Past and Present, de 1903, anotou:
“Tell me what thou belivest
.
and I shall tell thee what
.
thou art” (onde, como se sabe, thee é um arcaísmo poético equivalente ao português te, ti; e thou art equivale a you are).
O comentário a esta anotação é do próprio Pizarro que contrapôs o “Of a man or of a nation we inquire, therefore, first of all, What religion they had” de Carlyle com aquele “tell me what thou belivest… thou art” anotado por Pessoa no seu exemplar do mesmo autor. Como se vê (é Pizarro que fala) não se pode ler Carlyle como se lê Carlyle anotado por Pessoa. Daí que Pizarro conclua: “as anotações” fernandinas “criam um novo leitor e afinam a sua sensibilidade”.

Pessoa deixa ainda a marca do seu “repúdio sistemático de todas as formas de dogmatismo” na seguinte nota a lápis, qual “confirmação aforística”, em
Short History of Freethought, vol II, de John M Robertson, 1915:
“Qualquer crença conduz à
.
intolerancia. Só pode ser
.
tolerante o pseudo-crente,
.
ou o agnostico”.
.
Por último, mas da minha selecção dos que o referido número do JL deu à estampa, a págs 16 e 17, veja-se este poemado apontamento de FP, aparentemente incompleto, no livro de W. Bell, Palgrave’s
Golden Tresury of Songs and Lyrics, 1902:
“Pede a Deus suavemente
.
Com tuas mãos pequeninas
.
Erguidas para o céo,
.
Que nunca _____
.
Da patria _____
.
Se diga _____: morreu”
.
.
.

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