sábado, 2 de fevereiro de 2008

DA GENEALOGIA A UM MODESTO “OBSERVATÓRIO” - III

Falava eu, em duas crónicas anteriores, de dificuldades várias que se levantam a quem queira fazer uma investigação genealógica relacionada com o povo mais comum. Entre elas a repetição dos nomes.
Recordo que os nomes, nesses recuados tempos, repetiam-se muito, o que já em si provocava um certo embaraço. Agora imagine-se essa dificuldade agravada por um número de habitantes mais reduzido. Era o pânico, a confusão total.

Como dizia, mais fácil - para melhor ilustrar o que pretendo dizer - seria imaginar uma reportagem.
E perdoe-se-me, mas não resisto ao exercício.
Imagine-se um repórter mais ou menos urbano a acompanhar um baptizado, numa aldeia perdida numa freguesia recôndita do Portugal de 1700 e tal. E transcrevo em linguagem fonética os dizeres da entrevistada, deixando a sua fala o mais próxima possível da que caracteriza a dos habitantes dessa zona.

REPORTAGEM

-
Muitos parabéns, sra Maria. Tem aí uma linda neta. E como se chama a criança...?
- Maria... Maria Ribêra, claro!
- Claro???!!...
- Sim... Qu'a minha filha... (seja: a mãe dela...) Taméim éi Maria Ribêra...
-
Ah! Compreendo. Então a sra...
- Sou Maria Ribêra... Ora como havia de me chamar...
-
!!!
- E, aqui a 'nha nora (aponta-a) p'r'acaso taméim acode p'lo nome de Maria Ribêra. Qu'a bem dezer ela já tem um nome defrente: na pia do bautezado prantaram-lhe Maria. Mas'óspois que se casou, ela s'assina Maria Ribêra...
-
Curioso (!!!). Mas ali a sua cunhada, essa aposto...
- Iss'éi'o que vocemecêi cuida... Maria Ribêra, pois'atão...éi o nome que lhe prantaram na pia...
Esse mesmo, nim mais.
-
Diga-me uma coisa sra Maria Ribeira: mas nas outras casas, nas outras famílias, são outros os nomes, não será assim?
- (Concerta o lenço, com as duas mãos estendidas, uma de cada lado da cabeça; limpa a boca com os dedos médio e polegar da mão direita, depois com as costas da mesma mão; encolhe os ombros, as duas mãos viradas para a frente, caídas ao longo do corpo; um ar matreiro) Ele hái p'r'aí uma que se chama S'plinciana [Simpliciana], ôtra qu'éi P'tenciana [Potenciana], ôtra 'Sc'lásteca [Escolástica] ...Mais de resto, éi qu'ase tudo Maria Ribêra...Olhe ali daquela banda... Tá a ver, ó lado daquele rapais que tá a modos qu'a rir prá cachopa que tá ó lado dele, aquela de cabel'enrolado... (Vira-se para mim para confirmar o acerto da localização)...Tá a ver?... Pois aquela cachopa nim éi de cá, éi do Vale de Sachos, ali p'ra Ferrêra...E sab'rá vocemecêi com'éi a graça dela?
-
Só pode ser Maria Ribeira, julgo...
- E cuida bem.
-
Mas, desculpe, aquelas duas raparigas que acabaram de chegar...
- Duas raparigas é modos de dezer... São sogra e nora... São as minha vezinhas da banda de tráis...
-
Que...
- Ora, que são: a sogra, Maria Ribêra... Mas'a outra, a cachopa (a nora, que melhor diga)...Bom... Essa p'r'acaso... (Olhe que vocêi assegur'se: que vai's'assustar...)
-
Qual quê! Já sei que é Maria Ribeira...
- Pois'engana-se: n'éi nada Maria Ribêra. Imagine'se bem: éi Eiria!
-
Ah! Iria? Bom, já é diferente. Mas também é Ribeira? Tem de ser, não?!
- Taméim s'engana: Eiria Nunes.
-
Bom, deve ser a única com um nome tão diferente!...
- N'acertou ôtra veis: Tirando aquelas duas ó treis que dince à bocado (a S'pleciana e as ôtras),tirando essas, e umas quenhentas Marias Ribêras (ri-se, com o ar mais provocador e manhoso que se possa imaginar), há p'r'aí umas trazentas Eirias Nunes...
-
Não acredito!
- Éi como lh'acabo de dezer.
-
Mas, conte-me lá: com os homens é diferente? Têm nomes mais variados?
- Ah! Sim!... (forçando um ar sério, com um sorriso a escapar-se-lhe do canto da boca... Finge um ar solene, provoca a cumplicidade da sua comadre Maria Ribeira, com uma discreta cotovelada, e continua) C'os ómes é sempre defrente. Eles aprontam nomes mais varegados: são Manel Duarte, uns; Manel Ribêro outros; outros ainda usam nomes deferentes - mais defrentes, qu'er'se dezer: são Joséi Duarte. Mas há bem mais defrente: Antoino Ribêro! (E ri-se... E goza com a situação).


3 comentários:

aminhapele disse...

Grande Repórter!

José Ricardo disse...

Ainda foram alguns anos de Igreja Nova. Ainda que vivêssemos duzentos anos, os primeiros serão sempre os primeiros. E não há anos como os primeiros!

bettips disse...

Estas piadas d'aldeia! Mas tb a aldeia global do estado tem Ribêros e Olivêras a dar com um pau... de pinho!
Abçs

 

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