segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

LUSOFONIA - 3


Bertina Lopes:"Raiz Antiga"-óleo sobre tela (1988)

(...)
E agora, sim, o tão conhecido texto de Mia Couto


Perguntas à Língua Portuguesa, de Mia Couto


Venho brincar aqui no Português, a língua. Não aquela que outros embandeiram. Mas a língua nossa, essa que dá gosto a gente namorar e que nos faz a nós, moçambicanos, ficarmos mais Moçambique. Que outros pretendam cavalgar o assunto para fins de cadeira e poleiro pouco me acarreta.

A língua que eu quero é essa que perde função e se torna carícia. O que me apronta é o simples gosto da palavra, o mesmo que a asa sente aquando o vôo. Meu desejo é desalisar a linguagem, colocando nela as quantas dimensões da Vida. E quantas são? Se a Vida tem, é idimensões? Assim, embarco nesse gozo de ver como a escrita e o mundo mutuamente se desobedecem.

Meu anjo da guarda, felizmente, nunca me guardou.

Uns nos acalentam: que nós estamos a sustentar maiores territórios da lusofonia. Nós estamos simplesmente ocupados a sermos. Outros nos acusam: nós estamos a desgastar a língua. Nos falta domínio, carecemos de técnica.

Ora qual é a nossa elegância? Nenhuma, excepto a de irmos ajeitando o pé a um novo chão. Ou estaremos convidando o chão ao molde do pé? Questões que dariam para muita conferência, papelosas comunicações. Mas nós, aqui na mais meridional esquina do Sul, estamos exercendo é a ciência de sobreviver. Nós estamos deitando molho sobre pouca farinha a ver se o milagre dos pães se repete na periferia do mundo, neste sulburbio.

No enquanto, defendemos o direito de não saber, o gosto de saborear ignorâncias. Entretanto, vamos criando uma língua apta para o futuro, veloz como a palmeira, que dança todas as brisas sem deslocar seu chão. Língua artesanal, plástica, fugidia a gramáticas.

Esta obra de reinvenção não é operação exclusiva dos escritores e linguistas. Recriamos a língua na medida em que somos capazes de produzir um pensamento novo, um pensamento nosso. O idioma, afinal, o que é senão o ovo das galinhas de ouro?

Estamos, sim, amando o indomesticável, aderindo ao invisível, procurando os outros tempos deste tempo. Precisamos, sim, de senso incomum. Pois, das leis da língua, alguém sabe as certezas delas? Ponho as minhas irreticências. Veja-se, num sumário exemplo, perguntas que se podem colocar à língua:

Se pode dizer de um careca que tenha couro cabeludo?

No caso de alguém dormir com homem de raça branca é então que se aplica a expressão: passar a noite em branco?

A diferença entre um às no volante ou um asno volante é apenas de ordem fonética?

O mato desconhecido é que é o anonimato?

O pequeno viaduto é um abreviaduto?

Como é que o mecânico faz amor? Mecanicamente?

Quem vive numa encruzilhada é um encruzilheu?

Se diz do brado de bicho que não dispõe de vértebras: o invertebrado?

Tristeza do boi vem dele não se lembrar que bicho foi na última reencarnação. Pois se ele, em anterior vida, beneficiou de chifre o que está ocorrendo não é uma reencornação?

O elefante que nunca viu mar, sempre vivendo no rio: devia ter marfim ou riofim?

Onde se esgotou a água se deve dizer: "aquabou"?

Não tendo sucedido em Maio mas em Março o que ele teve foi um desmaio ou um desmarço?

Quando a paisagem é de admirar constrói-se um admiradouro?

Mulher desdentada pode usar fio dental?

A cascavel a quem saiu a casca fica só uma vel?

As reservas de dinheiro são sempre finas. Será daí que vem o nome: "finanças"?

Um tufão pequeno: um tufinho?

O cavalo duplamente linchado é aquele que relincha?

Em águas doces alguém se pode salpicar?

Adulto pratica adultério. E um menor: será que pratica minoritério?

Um viciado no jogo de bilhar pode contrair bilharziose?

Um gordo, tipo barril, é um barrilgudo?

Borboleta que insiste em ser ninfa: é ela a tal ninfomaníaca?

Brincadeiras, brincriações. E é coisa que não se termina. Lembro a camponesa da Zambézia. Eu falo português corta-mato, dizia. Sim, isso que ela fazia é, afinal, trabalho de todos nós. Colocamos essoutro português - o nosso português - na travessia dos matos, fizemos que ele se descalçasse pelos atalhos da savana.

Nesse caminho lhe fomos somando colorações. Devolvemos cores que dela haviam sido desbotadas - o racionalismo trabalha que nem lixívia. Urge ainda adicionar-lhe músicas e enfeites, somar-lhe o volume da superstição e a graça da dança. É urgente recuperar brilhos antigos. Devolver a estrela ao planeta dormente.


Mia Couto - 11/04/1997


LUSOFONIA - 2

(...)
Se, como defende Albert Memmi, no seu Retrato do Colonizado Precedido pelo Retrato do Colonizador (1997), existem ambiguidades e contradições, elas, pelo contrário, impulsionaram as jovens literaturas dos jovens países, num desafio brilhantemente superado de que são exemplos e testemunhos a obra de Luandino Vieira (1935) e Guimarães Rosa (1908-1967), assim como a de José Craveirinha (1922/2003) e Mia Couto (1957).

Guimarães Rosa e Luandino Vieira reinventam a linguagem, povoando os espaços vazios de significados outros. Repovoam a língua literária, descarnando a língua dos lugares comuns, levando à significação profunda e transmutada” - João Guimarães Rosa e José Luandino Vieira: A Palavra em Liberdade, Patrícia Simões de Oliveira Rosa.

Mia Couto, em entrevista a Patrick Chabal, confirma:
Quando li o Luandino, em 1977,78, isso foi importante para mim. Depois, lendo o Guimarães Rosa, senti que afinal há maneiras de fazer esse trabalho de recriação da língua. O Brasil conseguiu com o brasileiro e eu pensei que é possível fazer isto em Moçambique, com um sabor moçambicano. De criar a partir da desarrumação daquilo que é o primeiro instrumento de criação, que seria a língua, a linguagem, e os modos de uma narrativa. Por exemplo, abolir esta fronteira entre poesia e prosa. Por que é que a coisa tem que estar arrumada?

Das palavras de Mia Couto se pode concluir que “os novos griots, em seus “exercícios de estilo” (Boaventura Cardoso), promovem a interpenetração da língua (portuguesa, maior legado do colonizador, segundo Amílcar Cabral) pelo fogo das falas originárias que invadem o português-padrão; além disso, um sabor nacional é adicionado à língua de comunicação internacional” – de novo a palavra de Simone Caputo Gomes.
E a mesma autora prossegue: “como magistralmente trabalha o nosso griot maior, Guimarães Rosa, o Velho Sábio da logotecnia quando se reúnem os autores mais jovens à volta da fogueira do macrossistema da língua portuguesa, mexer na língua e na estrutura de contar para tentar criar a magia da vida é o elo e o caminho que orienta o crítico, no caso, nós, ao adentrar as oficinas desses grandes autores.
E sem “política de trânsito”, como no seu jeito espirituoso refere Mia Couto no irónico texto “Escrevências desinventosas”, de Cronicando.




Griot


Na África, onde a tradição oral é considerada como o
museu vivo da arqueologia, da história e do presente da vida social,
o dono do saber, da palavra, é o Griot.
É um dos símbolos representativos de todos os
narradores, trovadores, sábios, avós, mães
e todos os demais personagens
depositários de histórias, testemunhos ou tradições que ele conta.
São pessoas que por diversas razões, circunstâncias e habilidades,
acumularam conhecimentos que pertencem às suas comunidades
e que podemos entender como um património cultural.


E continua a mesma autora: “Tal qual num poema de José Craveirinha, outro Mais-Velho ao qual se curvam os mais jovens autores africanos de língua portuguesa, palavras rongas e algarvias “ganguissam” [namoram] em textos moçambicanos, assim como se pode quimbundizar a língua de Camões nos textos angolanos”.

Não muito diferente esta outra opinião: “José Craveirinha que nos ensinou, por via da poesia, que o sermos cultural e linguisticamente múltiplos não nos converte em seres divididos e fragmentados. Ao inverso, nós somos criaturas repartidas, capazes de viajar entre esse arquipélago de identidades de que se constitui a alma moçambicana. Celebro convosco o gosto por essa errância de quem sabe que apenas na viagem pelos outros encontraremos raiz e morada” - Mia Couto (no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa)


Falamos, afinal, da “Lusofonia e a problemática da tradução das “Ousadias Verbais” de Luandino Vieira e das “Escrevências Desinventosas” de Mia Couto" (conferência na Esc Sec Marquês de Pombal, Lisboa, por Maria Rosa Adanjo Correia).



Melhor se compreende, agora, o texto de Mia Couto – Perguntas à Língua Portuguesa - tão divulgado pela blogosfera.


(continua)

LUSOFONIA - 1

Bertina Lopes: Mafalala (sd), óleo sobre tela



Esta tarde vagueei pelo mundo da lusofonia.

Uma mensagem de um amigo, que me enviava as Perguntas à Língua Portuguesa, de Mia Couto, foi o clic. E lá vou eu, por aí fora, tentar compreender melhor esse fenómeno. Que as Perguntas... já eu conhecia, mas foram o pretexto.

Para tornar o texto mais ligeiro (disfarçar a sua extensão), divido-o em três partes, que, de todo o modo, se seguem de imediato.

Percorri vários países lusófonos, "em voo rasante", mas acabei por me deter mais em Moçambique.

A língua portuguesa não é o idioma primeiro de toda a CPLP, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Não o é, desde logo, e por exemplo, em Moçambique, onde existem mais de 30 línguas, correspondentes a outros tantos grupos étnicos. No entanto, é a segunda língua de cerca de 40% dos moçambicanos. É, nomeadamente, a língua em que escrevem os escritores desse país.
Mas se o português não é a língua dos moçambicanos, ela é, contudo, na criativa expressão de Mia Couto, “a língua da moçambicanidade”.
Aliás, e curiosamente, a lusa língua, que fora um instrumento ao serviço da dominação colonial, viria a converter-se, por opção da própria FRELIMO, ainda durante a guerrilha, numa “arma para a unificação do país e a construção da Nação”. Passou a ser “um troféu de guerra, um pilar de afirmação”.
Voltando aos cultores das letras, “todos os escritores moçambicanos escrevem em português. Fazem-no porque sentem em português, vivem em português. Porém, é já um português outro, uma língua afeiçoada à cor e à textura da nação moçambicana” repete Mia Couto (excertos de texto publicado na antologia galega "Do músculo da boca", Ed. Encontro Galego no Mundo, Santiago de Compostela, 2001. — 09/05/2003).

Mia Couto será, sem exagero, o escritor moçambicano mais lido.

A sua extraordinária arte leva-o, na sua criativa e poética escrita, a praticar «a mestiçagem entre o português «culto» e as várias formas e variantes introduzidas pelas populações moçambicanas», operação que ele descreve como «o prazer de desarrumar a língua».
Como existe no povo moçambicano uma tradição de transmissão oral da cultura, daí que o autor de "Histórias Abensonhadas" (1994) combine, na sua escrita, a tradição oral africana à tradição literária ocidental.

Mas o que se passa com Mia Couto é, de algum modo, o que se passa com outros escritores dos países lusófonos africanos. É O FENÓMENO DA RECRIAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA NA NARRATIVA AFRICANA, tema da palestra proferida no Instituto Internacional da Língua Portuguesa (uma criação da CRLP) em 7 de Maio de 2007, por Simone Caputo Gomes (que constituiu também objecto da sua prova escrita para o Concurso de professora de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa na Universidade de São Paulo).

E a professora brasileira traz outros testemunhos. Como o de Odete Semedo, que “expõe seu dilema entre criar na língua veicular do sentimento nacional da Guiné Bissau (“em crioulo gritarei a minha mensagem”) ou em português (“falar nesta língua lusa/eu sem arte nem musa/pois assim terei palavras para deixar/aos herdeiros do nosso século”), acabando por optar pelo bilinguismo”.

A questões desse tipo “a própria Odete responde no ensaio poético “A língua esvoaçante”, propondo a interpenetração de duas línguas a princípio antagónicas, numa harmonia de convívio, diríamos, heraclitiano”. E veja-se como é bela a sua explicação:
A língua nasceu solta e desenvolta. Nasceu virada para fora de si. (…).A língua, na sua fantasia, tem vestidos: vestidos requintados com enfeites de emoção, roupa de mendigo e com remendos (…), vestido com bordados e afrontas que para muitos são heranças que os séculos lhe foram juntando num pé de meia. E com todos esses vestidos chega a bifurcar-se em língua do coração, língua do sentir, da alma e língua de contacto com o resto do mundo. (…) Têm elas o seu estilo de cooperação: a língua de viagens, a de contacto, acaba pedindo emprestadas as roupas de emoção da língua do sentimento (…). Esta, por sua vez vai deixando que a língua do sentimento faça uso de suas letras”.


(continua)

sábado, 9 de fevereiro de 2008

A TRISTE VERDADE DOS NOSSOS DIAS

Boa peça literária, a de hoje, de Pacheco Pereira, no Espaço Público/Opinião do Público.
Como se trata, igualmente, de um bom motivo de reflexão.

Artigo exemplar quanto à caracterização de uma época e seus actores, de que enumera alguns dos nomes.
Nomes que recordam “coisas um pouco sinistras”, ligadas à corrupção, ao tráfico de influências, e a outras situações irregulares que, se não cabem no conceito de crime ou de outras irregularidades, traduzem, pelo menos, uma extraordinária falta de ética.
Foca, ainda, a mais escandalosa inversão dos valores, reflectida, nomeadamente, na alteração dos destinatários do apoio e das preocupações do Estado, que em lugar de serem os cidadãos e instituições mais carenciados, são antes outra ordem de mais rentáveis beneficiários, como “a Estoril-Sol, os Espírito Santo, a Lusoponte, o Futebol Clube Felgueiras, etc., etc.” Mais rentáveis para quem exerce o poder, é óbvio.

Os neoliberais acelerados que campeiam por esse mundo, não olham a meios para alcançarem os seus fins (leia-se: os seus interesses, os seus benefícios, os seus privilégios, primeiro; depois os dos amigos e correlegionários). Desconhecem que o carácter dos políticos é um factor primordial em democracia.

Depois, PP, recordando que, comparativamente com as modas da sociedade, também a história tem as suas modas, demonstra como, entre, nós, ultimamente se tem passado “da versão carbonária à versão ao modo do Senhor Dom Duarte Nuno”. Ou da súbita mudança da referência à realeza da nossa história: antes, “ao Rei D. Carlos, agora o Senhor Dom Carlos, Rei de Portugal”.

E avança com uma mordaz apresentação do Portugal desses idos até ao de hoje.

Além de que se não esquece de aludir à evolução da novela das eleições dos states, entre os nossos mais entendidos em política internacional, que já colocaram Obama na Casa Branca..

É pois, um texto paradigmático. Singular documento uma época, para mais uma prosa em muito bom e elegante português.

Daí que fique a fazer parte dos textos de maior relevância (de entre outros, segundo o meu critério) seleccionados para o arquivo do FLASH, o APOSTILA.

Remeto, assim, para
Não, não estamos nos nossos melhores dias..., da autoria de José Pacheco Pereira.
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Nota: imagino que para alguns dos meus poucos leitores a minha atitude de trazer textos de consagrados autores, publicados em conhecidíssima imprensa, para o APOSTILA possa ser interpretada como um intuito de ajudar à projecção, aqui, de certos trabalhos dos media. Logo, possa parecer uma presunção... pelo menos ingénua (para me poupar a mais contundentes juízos).
Algo de ridículo, do género da formiga que quer ajudar o elefante a passar o rio.
Mas a minha intenção é bem outra. Nem direi mais modesta, porque não se inscreve no binómio “(desmesurado) convencimento”/“modéstia”. É sim, e apenas, a de perpetuar, também eu, em espaço igualmente público, os textos que considero particularmente singulares, em matéria, ao mesmo tempo, de actualidade e de qualidade literária.
Talvez assim seja compreendido e relevado.

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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

CAMPOS E CUNHA E O PS E A LIBERDADE

Não me recordo de alguma vez ter visto entronizado Campos e Cunha entre os mais destacados defensores da democracia e das liberdades.

Recordo-me de já ter visto desenhado o perfil do ex-ministro de Sócrates como «Académico brilhante», «disciplinado», «liberal». E escreveu um dia Paulo Ferreira que «“disciplinado”, “íntegro”, “rigoroso”, “cordato”, “civilizado” são palavras frequentes quando se pedem os traços essenciais de Luís Campos e Cunha a quem o conhece e já trabalhou próximo dele».


O que já acarreta bastante de positivo a seu respeito.


Campos e Cunha é colunista semanal no Público. Nem sempre me entusiasmaram muito os seus artigos. Nem sempre aplaudo os seus pontos de vista e os seus argumentos. (Não falo nos técnicos, sobre que não me pronuncio).


Verdade é que, ainda antes de ser nomeado ministro das Finanças de Sócrates, já Campos e Cunha produzia declarações que não revelavam grande consonância com o programa de governo apresentado pelo actual primeiro-ministro. Declarações que o partido socialista não valorizava... Mas que já estavam na base da sua futura demissão.


Verdade, também, é que foi este antigo ministro que criou a primeira crise no actual executivo, onde apenas esteve pouco mais de quatro meses. Por razões de incompatibilidade política com o chefe do governo.


Na verdade, Luís Campos e Cunha é um moderado crítico deste governo.

Moderado... Bem, tem uma ou outra crítica que destoa um pouco dessa moderação, como uma célebre declaração sua, ainda recentemente, em Novembro último, em que ele escrevia que “a Estradas de Portugal é um mistério”. E explicava: «O Governo nunca perdeu nenhuma oportunidade para perder a oportunidade de explicar o OE para 2008. E, em particular de explicar a Estradas de Portugal, SA (EP, SA), que permanece um mistério».


A matéria foi, na verdade, objecto de grande polémica


Assim, ao fim e ao cabo, e por outro lado, tenho apreciado bastante algumas suas intervenções.


E hoje tive de o aplaudir, na sua coluna intitulada “A liberdade não é grátis”, que rematava deste jeito:

«Em Londres, este fim-de-semana, havia grande celeuma (e bem) porque um membro do parlamento (MP) britânico tinha sido escutado pelos serviços de informações antiterroristas. Esse MP é, por acaso, trabalhista e muçulmano.
O Presidente Bush legalizou a tortura e passaram a fazer-se interrogatórios utilizando métodos atribuídos à PIDE, para defender a liberdade e o Estado de Direito. Tudo legal, naturalmente.
E tudo isto em defesa da liberdade. Se tal não for atalhado e a corrida para o abismo não parar, os terroristas podem reformar-se, pois os democratas entretanto fizeram o trabalho por eles. Cada vez mais, os políticos-representantes, com o pragmatismo elevado a ideologia, põem em causa a política e os princípios. A liberdade já não é grátis, mas devia sê-lo, e pode vir a ter um preço que pode ser a própria liberdade. Professor universitário

PS: Não conheço o bastonário Marinho Pinto, mas a sua campanha contra a corrupção revela muita coragem e deve ser apoiada, porque tem razão. Compreendo que é uma posição de equilíbrio difícil e que pode resvalar para o populismo, mas, até prova em contrário, apoio veementemente.»

É, de facto, motivo para uma reflexão séria sobre a liberdade.


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

TELMO A CORRER

"de que amigo me poderei ter esquecido?"

Tem-se assistido a uma atitude velhaca relativamente ao incomparável ministro do Turismo do absolutamente ímpar primeiro-ministro de Santana Lopes.

É sempre assim, num mundo como o nosso, de gente mesquinha e maldizente. Caluniadora, mesmo. E quando não, de gente que insinua coisas inacreditáveis e impensáveis em gente honrada, competente e responsável.

É o caso, agora, de vir recordar coisas inenarráveis, impensáveis acerca de Telmo Correia.

Ao da incubadora, ao menino guerreiro, mandaram-no calar. Não teve outro remédio.

Eleições ganhas pelo senhor não-engenheiro (não confundir com o engenheiro-não, que treinou o Benfica) aproxima-se a data da posse.

Nos dez dias anteriores, Telmo não teve uma oportunidade, sequer, um segundo que fosse, para ir ao ministério. Ou não fora o Ministério do Turismo!.

Vai daí, como se não há-de compreender que o sr faça uma super maratona de despachos na noite que antecedeu a tomada de posse do actual governo?

Por lei, o governo cessante só pode tratar da gestão corrente (inadiável). Enganam-se, por vezes – mas sem má intenção – os governantes (do primeiro-ministro ao último dos subsecretários de Estado), pensando que é da gestão concorrente (matéria de concorrência é, por natureza sempre inadiável) que deve curar.

Daí que despachem exaustivamente. E sem ganharem mais um centavo – que isso é que escapa à maioria das pessoas.

Todo o mundo fala – os cavilosos e mal intencionados do costume – dos mais de 300 despachos a que Telmo, a correr, apôs a sua firma. (Esclareça-se, por causa dos mal entendidos, que firma, aqui equivale a chancela, assinatura; não, obviamente, a negócio).

Em vez de se louvar o empreendedor ministro (gestor da coisa pública, note-se) (e sem qualquer ironia, sublinho)... Zumba! Critica-se.

Trezentos despachos, numa noite, é obra!

Muitas vezes não se trata apenas de apor uma assinatura. Há mesmo um despacho a proferir: publique-se. Ou outra qualquer formalidade. O equivalente ao frequente “visto e ponderado, concordo” (mas não no sentido e nos termos que um director que eu conheci despachava - após análise de proposta desastrosa e inaceitável, mas a que não podia ou não convinha opor-se – despachava, dizia eu, mas rude, impante, e grosseiramente um “V.P.C.”...).

O sr a tratar da “res publica” e uns calaceiros venenosos a morderem-lhe os calcanhares!

Como é que o sr não há-de sentir-se revoltado e injustiçado?!

Claro que nem um cristão (democrata ou não) aguenta.

Incomoda-me, sempre, pensar que há pessoas que tanto dão de si à comunidade, (à comunidade nacional, é o que quero referir) e que não são compreendidas nem devidamente recompensadas... (Pela mesma comunidade, evidentemente).



quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

TORRE DE FAIA

torre erguida na aldeia de Faia com projecto assinado pelo sr engº,
talvez um dos seus trabalhos mais emblemáticos

Não, não sei. Nem me preocupo muito com isso. Não sei se é formado, deformado, reformado, informado, mal informado ou mal formado...
Não sei se é verdade ou não. Se ganhou de dois carrinhos, pública (parlamento) e privadamente (como agente técnico de engenharia – que se presume que era) ou não. Legalmente, parece que tudo estava em ordem. Mas, e eticamente?
Ninguém parece ter entendido a pergunta. Esclarecida a mesma, alguns, menos novos, até se sorriram; outros, decididamente muito jovens riram-se mesmo (como se estivessem a ver e ouvir o AJJ).
Não são de admirar, hoje, estas reacções.
Quando eu bulia, aí, no mercado do trabalho, há 15, 20 anos atrás, já havia “rapazes” da minha idade e mais velhos que se riam quando se falava de ética e de deontologia profissional...
Sempre foi assim: quem tem ética, marca poucos pontos e passa fome. Pelo menos não engorda. Emagrece, claro.

Bom, mas adiante.
Com proveito ou não, a verdade é que o senhor agente técnico de engenharia (classe entretanto socialmente promovida a engenheiros técnicos e que certas pessoas, respeitosas ou politicamente correctas, chamam de sr engº), o senhor engenheiro (sendo-o ou não o sendo) deixa obra digna de registo. Vária, quando vagueava lá pelas Beiras e antes de emigrar para a grande cidade. De entre tanta, que afanosamente assinava sem que a mão lhe doesse, sobressai a obra dos meus encantos: uma torre na aldeia de Faia (à semelhança de tantas outras de Porto da Carne, Misarela ou Vila Soeiro, Valhelhas ou em Covadoude). Trata-se de uma moradia que foi ampliada, mas que, não sei se por ser clandestina, ou pelo menos ilegal, a Câmara mandou demolir. Mas (e ainda há quem não acredite em bruxas), com a entrada do projecto assinado pelo sr engº, poucos dias depois, foi aprovada e legalizada.

Não confirmei ainda, mas por certo que consta entre os vencedores do cobiçado e valioso prémio Pritzker o nome do autor deste projecto.
Só pode!

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

NEWSPEAK


Graves desastres são anunciados, catástrofes autênticas, desgraças nunca vistas, verdadeiros tsunamis, calamidades indescritíveis no tecido e no mapa económico-financeiro do mundo capitalista, já nos próximos meses. Mais propriamente, prevendo-se um Verão super escaldante e verdadeiramente dramático.
Talvez tudo não passe dos esgares habituais dos neoliberais para, impressionando o mundo laboral, poder lançar novas pontes para uma actuação mais liberta de travões ao recrudescimento das suas medidas desastrosas para os cidadãos em geral, consumidores, trabalhadores e reformados. E pequenos empresários.

A gula dos capitalistas é absolutamente insaciável.

Não faço a mais pequena ideia de como imaginarão eles que seja o mundo no futuro, reduzidos à miséria os trabalhadores e a generalidade da população, aguardando, apenas, a entrega da alma ao criador, já que sem mais qualquer esperança de subsistência neste mundo.

À custa de quem vão, nessa altura, os patrões aumentar os seus lucros? E serão eles capazes de, sozinhos, controlar os robots dos seus escritórios, e os das suas fábricas, e os da comercialização?
E quem consome os seus produtos, quem aumenta os seus réditos?
Vão-se devorando uns aos outros, então, numa luta de morte. Só pode ser

É o apocalipse.

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O novo discurso dos capatazes, de tão repetido, já foi descodificado.
Já se conhece o glossário da nova retórica.

No Público de hoje, pareciam ter combinado e conjugado esforços no mesmo sentido, os jornalistas José Vítor Malheiros, director executivo, na sua coluna habitual e Manuel Carvalho, director-adjunto, no editorial. No sentido de explicar e descodificar o novo discurso dos capitalistas, aprendido na escola neoliberal.

O editorial intitula-se “Que empresas defendem a CIP e a CCP?” e aí o jornalista recorda que “a concretização das medidas que a CIP e a CCP advogam teria impactes brutais nas empresas dominadas pelo capitalismo do capataz, onde subsistem lógicas de poder baseadas no ressentimento, no autoritarismo e na coacção”.
Já o artigo de J Vítor Malheiros é uma peça sensacional pela descodificação que faz do novo discurso do patronato. Artigo a merecer ser arquivado no Apostila, já que caracteriza uma época e uma classe, ainda que em termos de uma saborosa ironia: “Dicionário de newspeak empresarial”.

Newspeak faz lembrar Orwell.
Orwell (no seu “1984”) tinha razão: cada vez mais se tenta alterar o significado das palavras, criar uma nova linguagem, adoptar uma linguagem subtil através de chavões, novas frases, frase feitas na sua generalidade, que inundam os relatórios de burocratas e tecnocratas.
É assim que o autor de “1984” inventa e usa o termo newspeak (new-speak) “para referir o controle político-ideológico das palavras e do raciocínio”.
Alguém, um dia, estabeleceu para a palavra uma definição: “estilo de discurso oficial que serve a propósitos políticos escondendo ou distorcendo a verdade”. Claro que aí, na sua renomada obra, Orwell visava uma realidade muito concreta.
Hoje os tais propósitos políticos, muito mais abrangentes, estão, na mesma (e talvez com maior propriedade e acerto), na base do tal discurso enganador, mas não apenas os propósitos políticos tout court, como os político-económicos e outros.

O novo tipo de discurso está muito bem caracterizado em
“Dicionário de newspeak empresarial”.


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

OS INOCENTES ISRAELITAS



Na sua crónica de QI 31.01.08, no Público, Esther Mucznik alude um comentário de um leitor da sua anterior crónica semanal (id, 24.01) que referia «"a hipocrisia evidente" da política externa americana para o Médio Oriente, "onde há dois pesos e duas medidas"».

Aquela investigadora em assuntos judaicos tenta convencer-nos da sua isenção, com sobejamente conhecidos argumentos: no país em que os lobbies são moeda corrente, e com protecção constitucional, o lobby judaico nos EUA não é assim tão poderoso como se costuma pensar, antes de mais porque a sua comunidade é de cerca de 5,6 milhões de judeus, apenas, isto é, não ultrapassa os 2% do universo de habitantes do país. Depois, e para recordar apenas situações recentes, “poucas minorias étnicas ou religiosas têm votado tanto contra Bush, como os judeus: apenas 19% votaram nele no ano 2000 e 24% em 2004. E, nas eleições de 2006 para o congresso, foram apenas 12% os judeus que votaram nos republicanos.”

Mas Esther Mucznik sabe, como todos nós sabemos, que esses argumentos não colhem: não têm o peso, o significado e o valor que ela pretende fazer-nos querer. Melhor: todos sabemos que, apesar de os judeus constituírem uma séria oposição ao partido republicano, ao conservadorismo americano (creio que foi isto que Esther Mucznik quis dizer; e penso que a sério), a situação no Médio Oriente (um vulcão, muitas vezes em actividade, por mor também, e não sei se sobretudo, dos israelitas), maxime entre israelitas e palestinianos, não se arrastaria por tantos anos não fora o grande empenho, o forte apoio, a poderosa posição (por acção ou omissão) dos EU a favor de Israel.

Fosse o governo norte-americano (qualquer, de qualquer partido) isento, verdadeiramente preocupado com a paz, e fautor da mesma, e por certo que haveria vontade política para alterar o rumo dos acontecimentos naquela zona, e para pôr travão na sempre pronta e agressiva actuação de Israel.

Por sinal, para “explicar” a acção americana pró-israelita, a colunista sustenta que “nesse mosaico de minorias étnicas que é Israel, a América reconhece a mesma obstinação que foi a sua em construir uma nação - uma nação de homens e mulheres livres, decididos a não deixar mais o seu destino em mãos alheias”. Mas, curiosamente, parece não reconhecer igual obstinação nos palestinianos.

Mas como, se ela existe?

A Palestina, nação multissecular, tem visto ser-lhe recusada a independência, a partir do pós-guerra 14-18. Diferentemente dos mais mandatos na região, sobre ex-domínios do império otomano, que conduziram, nas décadas de 30 e 40, os respectivos territórios a países independentes, o mandato da Palestina foi objecto de diferente solução por parte da Liga das Nações (predecessora da ONU) que adoptou «o projecto sionista da criação do “lar nacional para o povo judaico” nesse país» - cfr A PALESTINA, Dados históricos para a compreensão da situação actual e algumas reflexões, da Comissão Justiça e Paz CNIR/FNIRF.
Isto é, «sem excluir formalmente o objectivo normal do tipo de Mandato aplicado aos países árabes do império otomano, que era levar à plena independência a população que então os habitava, o Mandato para a Palestina tinha outro objectivo, que lhe era próprio, isto é, promover a criação de um lar nacional judaico – subentenda-se a criação de um estado judaico – com gente que, na sua maioria esmagadora, estava ainda espalhada pelo mundo e, por conseguinte, deveria ser trazida de fora» - id.

Especialistas «questionam a legalidade das decisões da Liga das Nações em relação à Palestina em nome das regras que ela própria fixara. Assim, apesar de ter classificado a Palestina num grupo de nações às quais reconhecia imediatamente a independência formal e prometia a independência efectiva a curto prazo, a Liga das Nações impôs-lhe um Mandato cujo objectivo prioritário não era a instalação da administração palestiniana nacional, como previa o documento que instituiu o sistema dos Mandatos, mas, sim, a criação do «lar nacional judaico» com gente que ainda estava espalhada pelo mundo» - ainda id op.

Está fora de questão que os judeus tinham que ter uma pátria. O que se não compreende, nem pode aceitar, contudo, é que os judeus, “trazidos ao colo” por britânicos e americanos para a terra dos palestinianos, invadam e se instalem em territórios destes e os persigam como se foram eles os ocupantes e desrespeitem todas as resoluções da ONU que se ocupam da matéria.

Têm-se verificado posições extremadas de parte a parte, é um facto. Mas a actuação israelita tem sido alvo de maiores manifestações de repúdio e condenação, internacionalmente.
Claro que Israel e Palestina podem coexistir.
É inevitável que israelitas e palestinianos se venham a entender.

Seria mais fácil se os EU não ajudassem a atear a fogueira (há muitas maneiras de o fazer). E se mantivessem equidistantes face aos dois vizinhos.

Pode ser que Esther Mucznik um dia nos conte a história toda...

domingo, 3 de fevereiro de 2008

UM FURACÃO CHAMADO MARINHO PINTO



Curioso!
Os advogados – classe geralmente enquistada de um conservadorismo imobilizador, salvo algumas raras, honrosas e públicas excepções de todos conhecidas – elegeram recentemente, e por uma maioria (em números absolutos) inédita, para seu bastonário António Marinho Pinto.

O actual bastonário da AO não é propriamente um jovenzinho, sonhador e delirante. É um advogado de 58 anos, moldado na luta pela justiça, inclusive na área dos Direitos Humanos, de cuja comissão chegou a ser presidente e com experiência dos problemas corporativos e outros da sua classe, pois que foi membro do Conselho-Geral da Ordem. Advogado em Coimbra, onde reside de há longa data e em cuja Universidade se formou, foi ainda jornalista, professor do Ensino Secundário e do Ensino Superior e actualmente é professor auxiliar convidado na Universidade da Lusa Atenas.

Desde que foi eleito que se tem desmultiplicado em declarações, conferências, entrevistas acerca da escandalosa corrupção em Portugal e do grave problema da Justiça, que afirma ter duas vertentes: a justiça para os ricos e a justiça para os pobres.
Falou ainda nestas questões e em termos corajosos na abertura do ano judicial.

As sua declarações e os seus depoimentos, as suas contundentes críticas ao anquilosado e repugnante sistema de justiça e à mal disfarçada questão da corrupção, têm feito correr muita tinta nos media e na rede.

Justiça para ricos e justiça para pobres.
Há dúvida?

«Enquanto durar o processo, o Estado [estabeleceu que] paga ao advogado, por processo, 6,40 euros por mês. As deslocações ou qualquer despesa no âmbito do processo está incluída nos 6,40 euros.»

"Não sei qualificar isto. Mais do que uma ofensa isto é o achincalhamento total, é o desrespeito mais absoluto, já não digo pelos advogados mas pelos cidadãos que não têm recursos para recorrer a um advogado", apontou o bastonário.

"O Estado dá 6,40 euros (ao advogado) enquanto durar o processo e independentemente do número de vezes que tenha de ir ao tribunal, as contestações, as participações, a presença em interrogatórios e os julgamentos", exemplificou.

Para Marinho Pinto, "o que está subjacente a uma lei desta natureza é acabar com a justiça, sobretudo para aqueles que não têm dinheiro para a pagar".

“O bastonário lembrou que o Governo apresentou esta versão da lei à Ordem dos Advogados no dia 21 de Dezembro à tarde, uma sexta-feira e "o senhor secretário de Estado assinou esta portaria na véspera de Natal dizendo que desenvolveu as diligências para ouvir a Ordem dos Advogados".

"Isto em processo judicial chama-se litigância de má fé", criticou Marinho Pinto.

Espantoso!

Mas o bastonário tem denunciado, persistentemente, situações sobejamente conhecidas de corrupção. O que tem incomodado muita gente que, geralmente, insiste na hipócrita atitude: “venham nomes”!
Mas claro que Marinho Pinto tem o bom senso de não fazer o papel de polícia nem de magistrado do MP. Esses, eles sim, que investiguem e acusem. São assuntos do domínio público.
De tal maneira assuntos de todos conhecidos que o general Garcia Leandro, que dirige o Observatório de Segurança, revoltado, «ameaçou o país com "uma explosão social" contra o regime e, surpreendentemente, revelou que já o convidaram para "encabeçar um movimento de indignação". Pior ainda, o general confessa que a sua própria "capacidade de resistência" a "tanta desvergonha" começa a "enfraquecer" e fala ominosamente do "final" da monarquia», segundo Vasco Pulido Valente. Aliás, Garcia Leandro conclui mais: “não haverá mais cardeais e generais para resolver este tipo de questões” – recorda, desta vez José Manuel Fernandes. E adianta ainda o director do Público – no seu editorial de hoje – que o mesmo general se insurge «contra a "falta de vergonha" dos que têm elevados ordenados e reformas milionárias, dos que alimentam a promiscuidade entre o poder político e o económico e, por fim, contra a "espantosa reacção ofendida dos responsáveis políticos quando alguém denuncia a corrupção"»

Não se pense em mais leis contra a corrupção. Em leis que corrijam "as mordomias e as injustiças". Tudo isso falha. «O problema do país não é esse, é exactamente o contrário: ter demasiadas leis e ter tanto Estado (ou governo) e tanta regulamentação que não faltam oportunidades para que medrem os "esquemas", as "cunhas", os "empenhos", os "favores" e tudo o mais que permite um clima malsão onde, como já se disse, "quem tem ética passa fome" – é ainda JMF que afirma (id loc)

Júdice bem pode revelar-se escandalizado. Inexplicavelmente diz de Marinho Pinto que o que ele quer é ribalta. Deve estar confundido: num país como o nosso, num momento como este, do que Marinho Pinto mais provavelmente se aproxima, não é da ribalta, mas do cadafalso.

Depois, acontece que Júdice se imagina o último representante daquela nata de que se fazem (faziam) bastonários da AO, daquele alfobre da verdadeira elite, dos bem nascidos, o último dos Grandes, o último dos moicanos...

Quem? Rogério Alves? Marinho Pinto? O filho de um polícia e o de uma camponesa de Amarante? Pode lá ser! Que desaforo! Que desplante!
Tem de ser o desastre.
A “tragédia”, na sua expressão.

Marinho Pinto? O exaspero em pessoa. Enquanto o não calarem.
Sinal dos tempos!

sábado, 2 de fevereiro de 2008

DA GENEALOGIA A UM MODESTO “OBSERVATÓRIO” - III

Falava eu, em duas crónicas anteriores, de dificuldades várias que se levantam a quem queira fazer uma investigação genealógica relacionada com o povo mais comum. Entre elas a repetição dos nomes.
Recordo que os nomes, nesses recuados tempos, repetiam-se muito, o que já em si provocava um certo embaraço. Agora imagine-se essa dificuldade agravada por um número de habitantes mais reduzido. Era o pânico, a confusão total.

Como dizia, mais fácil - para melhor ilustrar o que pretendo dizer - seria imaginar uma reportagem.
E perdoe-se-me, mas não resisto ao exercício.
Imagine-se um repórter mais ou menos urbano a acompanhar um baptizado, numa aldeia perdida numa freguesia recôndita do Portugal de 1700 e tal. E transcrevo em linguagem fonética os dizeres da entrevistada, deixando a sua fala o mais próxima possível da que caracteriza a dos habitantes dessa zona.

REPORTAGEM

-
Muitos parabéns, sra Maria. Tem aí uma linda neta. E como se chama a criança...?
- Maria... Maria Ribêra, claro!
- Claro???!!...
- Sim... Qu'a minha filha... (seja: a mãe dela...) Taméim éi Maria Ribêra...
-
Ah! Compreendo. Então a sra...
- Sou Maria Ribêra... Ora como havia de me chamar...
-
!!!
- E, aqui a 'nha nora (aponta-a) p'r'acaso taméim acode p'lo nome de Maria Ribêra. Qu'a bem dezer ela já tem um nome defrente: na pia do bautezado prantaram-lhe Maria. Mas'óspois que se casou, ela s'assina Maria Ribêra...
-
Curioso (!!!). Mas ali a sua cunhada, essa aposto...
- Iss'éi'o que vocemecêi cuida... Maria Ribêra, pois'atão...éi o nome que lhe prantaram na pia...
Esse mesmo, nim mais.
-
Diga-me uma coisa sra Maria Ribeira: mas nas outras casas, nas outras famílias, são outros os nomes, não será assim?
- (Concerta o lenço, com as duas mãos estendidas, uma de cada lado da cabeça; limpa a boca com os dedos médio e polegar da mão direita, depois com as costas da mesma mão; encolhe os ombros, as duas mãos viradas para a frente, caídas ao longo do corpo; um ar matreiro) Ele hái p'r'aí uma que se chama S'plinciana [Simpliciana], ôtra qu'éi P'tenciana [Potenciana], ôtra 'Sc'lásteca [Escolástica] ...Mais de resto, éi qu'ase tudo Maria Ribêra...Olhe ali daquela banda... Tá a ver, ó lado daquele rapais que tá a modos qu'a rir prá cachopa que tá ó lado dele, aquela de cabel'enrolado... (Vira-se para mim para confirmar o acerto da localização)...Tá a ver?... Pois aquela cachopa nim éi de cá, éi do Vale de Sachos, ali p'ra Ferrêra...E sab'rá vocemecêi com'éi a graça dela?
-
Só pode ser Maria Ribeira, julgo...
- E cuida bem.
-
Mas, desculpe, aquelas duas raparigas que acabaram de chegar...
- Duas raparigas é modos de dezer... São sogra e nora... São as minha vezinhas da banda de tráis...
-
Que...
- Ora, que são: a sogra, Maria Ribêra... Mas'a outra, a cachopa (a nora, que melhor diga)...Bom... Essa p'r'acaso... (Olhe que vocêi assegur'se: que vai's'assustar...)
-
Qual quê! Já sei que é Maria Ribeira...
- Pois'engana-se: n'éi nada Maria Ribêra. Imagine'se bem: éi Eiria!
-
Ah! Iria? Bom, já é diferente. Mas também é Ribeira? Tem de ser, não?!
- Taméim s'engana: Eiria Nunes.
-
Bom, deve ser a única com um nome tão diferente!...
- N'acertou ôtra veis: Tirando aquelas duas ó treis que dince à bocado (a S'pleciana e as ôtras),tirando essas, e umas quenhentas Marias Ribêras (ri-se, com o ar mais provocador e manhoso que se possa imaginar), há p'r'aí umas trazentas Eirias Nunes...
-
Não acredito!
- Éi como lh'acabo de dezer.
-
Mas, conte-me lá: com os homens é diferente? Têm nomes mais variados?
- Ah! Sim!... (forçando um ar sério, com um sorriso a escapar-se-lhe do canto da boca... Finge um ar solene, provoca a cumplicidade da sua comadre Maria Ribeira, com uma discreta cotovelada, e continua) C'os ómes é sempre defrente. Eles aprontam nomes mais varegados: são Manel Duarte, uns; Manel Ribêro outros; outros ainda usam nomes deferentes - mais defrentes, qu'er'se dezer: são Joséi Duarte. Mas há bem mais defrente: Antoino Ribêro! (E ri-se... E goza com a situação).


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

BANCO DE PORTUGAL

Acabo de receber pela enésima vez uma mensagem com o seguinte conteúdo (abaixo).
O ciberespaço está inundado de mensagens como esta acerca do mesmo governador do BP assim como outras mais completas que contemplam outras figuras, como a de Vasco Franco e tantos e tantos outros "artistas" da nossa praça.
Nunca vi nos media qualquer desmentido. O que seria normal. (O Diário Digital/DD de hoje, por exemplo, traz umas declarações de Sócrates acerca duma matéria tratada ontem pelo Público: Sócrates terá assinado, na década de 80, inúmeros projectos de engenharia e arquitectura... “A rogo” (aqui, simplesmente a pedido) ou “por favor”. O primeiro-ministro afirma tratar-se de uma cabala. Assim, «qualificou hoje como “um ataque pessoal e político” a “pretensa notícia”» atrás referida...)
Nunca vi tais desmentidos nem esclarecimentos acerca daquelas matérias acima aludidas que circulam abundante e frequentemente na rede.

Creio que todos entendemos que são questões que há muito merecem uma explicação.
Nós, os portugueses, lá pacientes, somos.

Desta vez trata-se, apenas, do Governador do Banco de Portugal.



“Há que conter os salários”
clama, repetidamente,
sem que deixe escapar um sorriso,
sem que se desconcerte com o mínimo esgar!


É então, sem tirar nem pôr, o seguinte texto que circula na Net (e que até já de França recebi):

«1) Para quem não saiba quem é Alan Greenspan, fique a saber que é um senhor nascido em Nova Iorque, de origem judaica, que gostava de tocar saxofone na adolescência, que se doutorou com elevadíssimas médias em Economia e que foi nomeado pelo presidente Reagan, em Junho de 1987, "Chairman of the Board of Governors of the Federal Reserve" -- nomeação confirmada pelo Senado dois meses depois.

2) O "Federal Reserve" está para os americanos como o Banco de Portugal está para nós. E por que estou eu com toda esta conversa sobre o Sr. Greenspan?
Porque quando ele deixou o lugar, em Janeiro de 2006, auferia anualmente, pelo desempenho daquele alto cargo, a módica quantia de 186.600 dólares norte-americanos por ano -- qualquer coisa como 155.000 euros.
O valor dos honorários dos outros membros do Conselho de Administração ("Vice-Chairman"
incluído) é de cerca de 150.000 euros.

3) Agora, sabem quanto pagamos ao Governador do Banco de Portugal, um senhor dotado de prodigioso crânio, que dá pelo nome de Vítor Constâncio?
Não sabem, pois não?
Então pasmem: 280.000 euros, leram bem, DUZENTOS E OITENTA MIL EUROS!
É claro que uma grande potência como Portugal, que possui o dobro da influência, à escala planetária, dos insignificantes EUA, tinha de pagar muito bem ao patrão do seu Banco, além de todas as incontáveis mordomias que lhe dispensa, tal como aos seus pares daquela instituição pública.
Também é claro que a verba do americano é fixada pelo Congresso e JAMAIS -- como diria o bronco do Lino -- pelo próprio, ao contrário do que se passa no país dos donos do mundo e dos maiores imbecis que habitam o planeta Terra.

4) O que mais impressiona nestes números é que o homem que é escutado atentamente por todo o mundo financeiro, cuja decisão sobre as taxas de juro nos afecta a todos, ganha menos do que o seu equivalente num país pobre, pequeno, periférico, que apenas uma ínfima parcela desse território presta alguma atenção!
Até a reforma do Mira Amaral é superior à do Greenspan!
Talvez não fosse má ideia espreitarem o portal do Banco de Portugal e verem quem por lá passou como governador, <
http://www.bportugal.pt/>> http://www.bportugal.pt , cliquem em "história".

5) Por que razão esta escandalosa prática se mantém?
Pela divisa do Conselho de Administração do Banco de Portugal que deve ser parecida com algo assim: " Trabalhe um dia, receba uma pensão de reforma vitalícia e dê a vez a outro."

6) Os sucessivos governadores do Banco de Portugal têm muito em comum.
Por exemplo, sempre que aparecem em público de rompante é porque vem aí borrasca!
-- "Os portugueses vivem acima das suas possibilidades. Há que cortar nos ordenados, há que restringir o crédito!"
Proclamam-no sem que a voz lhes trema, mesmo quando se sabe que o actual governador aufere rendimentos que fariam inveja a Alan Greenspan.
No fundo, o que eles nos querem dizer é, "Vocês vivem acima das vossas possibilidades, mas nós não!"
Têm carradas de razão.

7) As remunerações dos membros do conselho de administração do Banco de Portugal são fixadas, de acordo com a alínea a) do art. 40.º da Lei Orgânica, por uma comissão de vencimentos.
E quem foi que Luís Campos e Cunha, o então ministro das Finanças e ex-vice-governador do Banco de Portugal, nomeou para o representar e presidir a essa comissão?
O ex-governador Miguel Beleza, o qual, como adiante se verá, e caso o regime da aposentação dos membros do conselho de administração também lhe seja aplicável como ex-governador do Banco, poderá beneficiar dos aumentos aprovados para os membros do conselho de administração no activo.
Uma seita a que o comum dos portugueses não tem acesso e sobre a qual lhe está vedada toda e qualquer informação, filtradas que são todas as que não interessa divulgar pelos meios da subserviente comunicação social que temos.

8) Mas tão relevantes como os rendimentos que auferem, são as condições proporcionadas pelo Banco de Portugal no que respeita à aposentação e protecção social dos membros do conselho de administração.

9) O regime de reforma dos administradores do Banco de Portugal foi alterado em 1997, para "acabar com algumas regalias excessivas actualmente existentes."
Ainda assim, não se pode dizer que os membros do conselho de administração tenham razões de queixa.
Com efeito, logo no n.º 1 do ponto 3.º (com a epígrafe "Tempo a contar") das Normas sobre Pensões de Reforma do Conselho de Administração do Banco de Portugal se estabelece que, "O tempo mínimo a fundear pelo Banco de Portugal junto do respectivo Fundo de Pensões, será o correspondente ao mandato (cinco anos), independentemente da cessação de funções ."

10) Que significa isto?
Um membro do conselho de administração toma posse num belo dia e, se nessa tarde lhe apetecer rescindir o contrato, tem a garantia de uma pensão de reforma vitalícia, porque o Banco se compromete a "fundear" o Fundo de Pensões pelo "tempo mínimo (?) correspondente ao mandato (cinco anos)". (Ver "divisa" no parágrafo 5).

11) Acresce que houve o cuidado de não permitir interpretações dúbias que pudessem vir a prejudicar um qualquer membro do conselho de administração que, "a qualquer título", possa cessar funções.
O n.º 1 do ponto 4.º das Normas sobre Pensões de Reforma dissipa quaisquer dúvidas: "O Banco de Portugal, através do seu Fundo de Pensões, garantirá uma pensão de reforma correspondente ao período mínimo de cinco anos, ainda que o M.C.A. [membro do conselho de administração] cesse funções, a qualquer título ."

12) Quem arquitectou as Normas sobre Pensões de Reforma pensou em tudo?
Pensou, até na degradação do valor das pensões. É assim que o n.º 1 do ponto 6.º estabelece por sua vez: "As pensões de reforma serão actualizadas, a cem por cento, na base da evolução das retribuições dos futuros conselhos de administração, sem prejuízo dos direitos adquiridos ."

13) E o esquema foi tão bem montado que as Normas sobre Pensões de Reforma não deixam de prever a possibilidade de o membro do conselho de administração se considerar ainda válido para agarrar uma outra qualquer oportunidade de trabalho que se lhe depare.
Para tanto, temos o ponto 7.º, com a epígrafe "Cumulação de pensões", que prevê: "Obtida uma pensão de reforma do banco de Portugal, o M.C.A. [membro do conselho de administração] poderá obter nova pensão da C.G.A. ou de outro qualquer regime, cumulável com a primeira (!)."

14) Mas há mais. O ponto 8.º dispõe que o "M.C.A. [membro do conselho de administração] em situação de reforma gozará de todas as regalias sociais concedidas aos M.C.A. e aos empregados do Banco, devendo a sua pensão de reforma vir a beneficiar de todas as vantagens que àqueles venham a ser atribuídas ."

15) Não restam dúvidas de que fez um excelente trabalho quem elaborou as Normas sobre Pensões de Reforma do Conselho de Administração do Banco de Portugal. Pena é que não tenha igualmente colaborado na elaboração do Código do IRS, de modo a compatibilizar ambos os instrumentos legais.
Não tendo acontecido assim, há aquela maçada de as contribuições do Banco de Portugal para o Fundo de Pensões poderem ser consideradas, "direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários" e, neste caso, sujeitas a IRS, nos termos do art. 2.º, n.º 3, alínea b), n.º 3, do referido código.»


Se se tratasse de uma calúnia - longe de mim tal ideia, e nem eu lhe daria cobertura - estaria, por certo, já há muito denunciada.
No meio de tanto fumo... Ah! Há fogo, com certeza.
 

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