sábado, 23 de maio de 2009

BÉNARD DA COSTA

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“O senhor cinema português” (Eduardo Lourenço) parece uma boa definição. Mas o seu interesse e a sua cultura extravasavam da cinefilia.
De Bénard tenho dificuldade em fixar-me num ponto do seu percurso. Numa curva da sua trajectória. Numa característica da sua personalidade. É antes como um íman que me traz à memória múltiplas situações e personagens, todas com a mesma carga polarizadora: Proust, JUC, O Tempo e o Modo, Alçada, de novo Proust, Pedro Tamen, Nuno Bragança, Moraes Editora, de novo Alçada, Nuno Portas, Escada, Manuel de Lucena, uma vez mais e sempre Proust, CEUD, MES. Cinema, Cinemateca, sempre cinema… Sei lá que mais.
Lembra-me a nossa geração (quase a mesma) e a grande aventura de tentarmos minar por dentro um regime iníquo, humilhante e indigno. A nossa resiliência e entusiasta militância nesse combate vitorioso.
Recorda-me o seu empenhamento activo, a sua intervenção progressista.

Finou-se ontem, o Bénard da Costa.
Até breve, amigo.
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De há muito que não me entusiasmo lá grande coisa com as crónicas do Miguel Esteves Cardoso. Deixei até de lhe achar a graça que alguns lhe encontram. Ainda Ontem, por exemplo.
Mas hoje (SX 22) foi diferente. Hoje não era para graças. Era a sério. E gostei. Deveras.
E foi assim, no Público, embora, de novo,
Ainda Ontem:

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«O João Bénard

O João Bénard é um menino. É um menino que, a cada momento da vida, acabou de descobrir uma coisa. É sempre uma coisa maravilhosa que tem de abraçar com muita força mas depois largá-la para poder mostrá-la aos amigos e partilhá-la com toda a gente.

Porque se não a partilhar, se não a cantar, se não se destruir a elogiá-la de maneira a ser tão irresistível como ele - até chegar a confundir-se com ele ao ponto de não sabermos qual amamos mais, se ele ou as coisas que ele nos ensinou a amar -, se não puder parti-la aos pedaços para poder dar um bocado a cada um, na esperança que todos a queiram reconstruir depois, ele já não é capaz de amar tanto aquela coisa, porque acredita que a coisa é grande e boa de mais para uma só pessoa e sente-se indigno de gozá-la sozinho. É assim o João Bénard.
O João Bénard é um amigo. É um amigo que, a cada momento da vida, faz sempre como se tivesse acabado de apaixonar-se por nós. Não lhe interessam nada as coisas que mudaram; as asneiras que fizemos; a decadência em que entrámos; a miséria que subjaz às nossas opiniões ou o grau de petrificação das nossas almas. Para ele, somos sempre os mesmos. É um leal. Está sempre connosco como se fôssemos tão frescos como ele. Puxa-nos pela manga da camisa; protege-nos da tempestade; desata a rir no meio das encrencas; arranja tabaco clandestino; deixa-nos subir para os ombros para vermos melhor; para saltar para o outro lado; mostra-nos fotografias nunca vistas, de actrizes lindas, escondidas debaixo da camisola - e faz tudo descaradamente; não se importa de ser apanhado; não tem vergonha nenhuma; é um prazer estar com ele; parece que todo o universo está em causa. É assim o João Bénard.
O João Bénard é uma alma. É uma alma que, a cada momento da vida, desde que nasceu, sempre fez pouco do corpo e das coisinhas de que o corpo precisa. Tinha um corpo transparente, com a alma a ver-se lá dentro. Ou então era a alma que projectava o corpo no ecrã da pele. É por isso que todos nós o conhecemos como conhece Deus.
Deus, apresento-Te João Bénard. João Bénard, apresento-te Deus.»
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3 comentários:

aminhapele disse...

Bela postagem.
Não só pelo retrato de Bénard.
Dá para ver as diferenças,o modo de estar na vida,a alma de cada um.
São demasiado visíveis,nos textos,as diferenças entre MEC e JLF.
Estou muito mais próximo de JLF.
Um abraço.

José Ricardo Costa disse...

"Até breve"? Até breve, uma ova!...

JR

aminhapele disse...

Boa JRC!
Eu não tive coragem de o dizer!

 

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