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“O senhor cinema português” (Eduardo Lourenço) parece uma boa definição. Mas o seu interesse e a sua cultura extravasavam da cinefilia.
De Bénard tenho dificuldade em fixar-me num ponto do seu percurso. Numa curva da sua trajectória. Numa característica da sua personalidade. É antes como um íman que me traz à memória múltiplas situações e personagens, todas com a mesma carga polarizadora: Proust, JUC, O Tempo e o Modo, Alçada, de novo Proust, Pedro Tamen, Nuno Bragança, Moraes Editora, de novo Alçada, Nuno Portas, Escada, Manuel de Lucena, uma vez mais e sempre Proust, CEUD, MES. Cinema, Cinemateca, sempre cinema… Sei lá que mais.
Lembra-me a nossa geração (quase a mesma) e a grande aventura de tentarmos minar por dentro um regime iníquo, humilhante e indigno. A nossa resiliência e entusiasta militância nesse combate vitorioso.
Recorda-me o seu empenhamento activo, a sua intervenção progressista.
Finou-se ontem, o Bénard da Costa.
Até breve, amigo.
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De há muito que não me entusiasmo lá grande coisa com as crónicas do Miguel Esteves Cardoso. Deixei até de lhe achar a graça que alguns lhe encontram. Ainda Ontem, por exemplo.
Mas hoje (SX 22) foi diferente. Hoje não era para graças. Era a sério. E gostei. Deveras.
E foi assim, no Público, embora, de novo, Ainda Ontem:
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«O João Bénard
O João Bénard é um menino. É um menino que, a cada momento da vida, acabou de descobrir uma coisa. É sempre uma coisa maravilhosa que tem de abraçar com muita força mas depois largá-la para poder mostrá-la aos amigos e partilhá-la com toda a gente.
Porque se não a partilhar, se não a cantar, se não se destruir a elogiá-la de maneira a ser tão irresistível como ele - até chegar a confundir-se com ele ao ponto de não sabermos qual amamos mais, se ele ou as coisas que ele nos ensinou a amar -, se não puder parti-la aos pedaços para poder dar um bocado a cada um, na esperança que todos a queiram reconstruir depois, ele já não é capaz de amar tanto aquela coisa, porque acredita que a coisa é grande e boa de mais para uma só pessoa e sente-se indigno de gozá-la sozinho. É assim o João Bénard.
O João Bénard é um amigo. É um amigo que, a cada momento da vida, faz sempre como se tivesse acabado de apaixonar-se por nós. Não lhe interessam nada as coisas que mudaram; as asneiras que fizemos; a decadência em que entrámos; a miséria que subjaz às nossas opiniões ou o grau de petrificação das nossas almas. Para ele, somos sempre os mesmos. É um leal. Está sempre connosco como se fôssemos tão frescos como ele. Puxa-nos pela manga da camisa; protege-nos da tempestade; desata a rir no meio das encrencas; arranja tabaco clandestino; deixa-nos subir para os ombros para vermos melhor; para saltar para o outro lado; mostra-nos fotografias nunca vistas, de actrizes lindas, escondidas debaixo da camisola - e faz tudo descaradamente; não se importa de ser apanhado; não tem vergonha nenhuma; é um prazer estar com ele; parece que todo o universo está em causa. É assim o João Bénard.
O João Bénard é uma alma. É uma alma que, a cada momento da vida, desde que nasceu, sempre fez pouco do corpo e das coisinhas de que o corpo precisa. Tinha um corpo transparente, com a alma a ver-se lá dentro. Ou então era a alma que projectava o corpo no ecrã da pele. É por isso que todos nós o conhecemos como conhece Deus.
Deus, apresento-Te João Bénard. João Bénard, apresento-te Deus.»
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3 comentários:
Bela postagem.
Não só pelo retrato de Bénard.
Dá para ver as diferenças,o modo de estar na vida,a alma de cada um.
São demasiado visíveis,nos textos,as diferenças entre MEC e JLF.
Estou muito mais próximo de JLF.
Um abraço.
"Até breve"? Até breve, uma ova!...
JR
Boa JRC!
Eu não tive coragem de o dizer!
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