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Numa das suas habituais colunas de fim-de-semana no Público, desta vez na última SX 08.10, Vasco Pulido Valente (VPV) põe asas e revela uma pseudo-perplexidade sobre qual o conteúdo dos “valores republicanos” acerca dos quais não houve político ou jornalista “da nossa pobre esquerda” (segundo a sua expressão) que não tenha dissertado a propósito do centenário agora comemorado…
Perante aquela “pobre esquerda”, claro que VPV assumiu o papel da nossa “brilhante”, “douta” e “patriótica” direita para revelar uma confusa desorientação ao querer comparar aos ideais republicanos toda uma série de “tipos” de república cujos únicos objectivos escapam aos referidos ideais e cujo traço de união entre eles é esse próprio termo na sua mais simples designação, mas sem o conteúdo do correspondente e genuíno ideário.
Só se ilude com teses como a de VPV, mostrando pendor para a monarquia, quem gosta de viver na ilusão e desconhece o valor da dignidade do Homem e a sua expressão…
Na sua, VPV só poderia querer afirmar é que houve (há) regimes que, ditos republicanos, não se regem pelos seus nobres e elevados valores, não que eles não existam e não representem, no seu âmago, o zénite de qualquer república que represente ou pretenda, efectivamente, atingir o seu ideal. Ou seja, VPV fez de conta foi que ignorava esses valores, mas sem negar a sua existência.
Liberdade, igualdade e fraternidade são, para quem não sabe (como VPV pretende fazer crer) ou finge não entender (que é o que na verdade se passa com o mesmo colunista), os valores Republicanos por excelência. De facto eles são essenciais para que possamos caracterizar um Estado como democrático.
Sim, porque não é na monarquia que o cidadão pode efectivamente demonstrar toda a sua capacidade de intervenção política. As monarquias ocidentais já se não assumem, neste momento, como antanho, como um regime de origem divina. Isto ao contrário – de alguma forma – ao que ainda hoje se passa nalguns regimes, monárquico e republicano, no oriente. Mas esses regimes admitem, de todo o modo, que a sucessão dos seus chefes de Estado obedece a um poder superior que lhes atribui, por privilégio de nascimento, os seus poderes.
A República, mais que uma mudança de regime político, abre caminhos para que o progresso se instale através dos valores da liberdade, igualdade e cidadania, essenciais para um Estado Democrático que permita a todos os cidadãos uma participação efectiva e activa de qualidade, de equidade, de igualdade e de liberdade."
Realmente, um Estado onde uma família (originariamente espúria ou baseada numa união lícita) herda o poder, de forma natural (?), onde, portanto, outra origem, baseada no exercício da sua cidadania pelas populações, não fosse jurídica e politicamente admissível, nesse Estado os respectivos processos de organização e de actuação não são compagináveis com o normal espectro da cidadania exercida plenamente em nome da igualdade, da liberdade e fraternidade.
Como aceitar que um cidadão, por direito de nascimento, assuma o poder de interferir nas decisões do Estado e de o representar ao mais alto nível?
Acerca de Portugal e deste centenário aduzo, em última instância, e como causas mais próximas, as constantes do argumento de Natália Coelho e Odete Figueiredo: «A República permitiu a participação, de todo um país, no mais abrangente magma cultural dos ideais de modernização da Sociedade portuguesa que chega, aos finais do século XIX, com enormes factores de atraso: uma fraca e incipiente industrialização, uma altíssima taxa de analfabetismo ou uma ruralidade muito marcante. O ideário republicano em Portugal passou sobretudo pelo projecto de uma nova cidadania e foi profundamente marcado pelas grandes clivagens da viragem para o século XX e marcaram os programas políticos dos fundadores da Iª República: - a redefinição dos símbolos nacionais num clima de mobilização nacionalista; - a laicidade do Estado; - o aprofundamento do parlamentarismo ou o alargamento da participação e dos direitos políticos e sociais.»
Por último, para a avançada, grandiosa, épica monarquia de VPV e outros seus defensores, a mulher era considerada uma entidade menor, acéfala, propriedade dos respectivos maridos ou tutores, sem qualquer espécie de direito ou capacidade de intervenção (melhor: dela impedida)… (Não sei se Suas Altezas Reais a rainha consorte e suas filhas também eram consideradas de acordo com tão avançada e “digna” matriz!). A Lei da Família, o direito ao Divórcio, pondo termo á chaga social dos filhos ilegítimos, datam - deve ser sublinhado - da Primeira República, e só o clerical Estado Novo fez recuar esses avanços e voltar às seculares e tristes condições de outrora.
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