domingo, 9 de novembro de 2008

“VIAGEM DO ELEFANTE” OU O SARAMAGUIANO PERCURSO



Acaba de ser dado à estampa e de aparecer nos escaparates e prateleiras das livrarias a “Viagem do Elefante”, da autoria de José Saramago.


O que logo nos traz à memória
(como trouxe à dos mais chegados ao autor que conheciam o seu projecto)
a delegação d'O Venturoso, pai de D. João III,
enviada na segunda década de 1500 ao papa Leão X, recentemente eleito,
“a tradicional embaixada de obediência”,
desta vez mais grandiosa e de rara opulência, encabeçada por Tristão da Cunha,
para impressionar o mundo,
“fazendo desfilar no coração da cristandade o exotismo de mundos distantes”
e “prendas sumptuosas, em jóias e tecidos”,
além de “um cavalo persa, uma onça e um elefante indiano”
para pasmo de italianos e de embaixadores aí (em Roma e na Santa Sé) credenciados.
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(cfr João Paulo Oliveira e Costa, D. Manuel I,
Círculo de Leitores, 2005, Colecção Reis de Portugal, XIV, pág 165).
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Ao contrário do que se possa pensar, como atrás se refere, «o livro narra uma viagem de um elefante que estava em Lisboa, e que tinha vindo da Índia, um elefante asiático», sim, mas «que foi oferecido pelo nosso rei D. João III ao arquiduque da Áustria Maximiliano II (seu primo). Isto passa-se tudo no século XVI, em 1550, 1551, 1552. E, portanto, o elefante tem de fazer essa caminhada, desde Lisboa até Viena, e o que o livro conta é isso, é essa viagem», disse o escritor, em entrevista à Lusa.
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«A “Viagem do Elefante” é (...) talvez a obra mais cervantina do escritor nascido na Azinhaga, embora, no fundo, pudesse constituir um ensaio implícito, uma ficção do próprio escritor sobre a sua obra e sobre a sua concepção do ofício.
(...)
Enquanto se lê a épica transeuropeia de Salomão [o elefante], tem-se a sensação de participar numa espécie de ágape, de oferecimento gastronómico, para sorver e saborear palavras, talento, liberdade narrativa e uma imaginação assombrosa. Um amálgama de criatividade temperada por um perito em fornos verbais que, depois de ter frequentado todos os fogões, sabe que a única verdade culinária é a da própria condição dos ingredientes, respeitando sempre a sua natureza original: como se desta vez, a modo de tributo, só tivesse cozinhado para convidar os próprios alimentos com que tinha partilhado a sua vida e os caldos com que os regou: as palavras da língua portuguesa e o idioma da efabulação.»


Trata-se da
saborosa crítica literária (já que no reino da culinária nos situamos) de Fernando Gómez Aguilera, no último número do JL Jornal de Letras, Artes e Ideias, a págs 17, integrando um Especial Saramago, de págs 14 a 20.

“Virtuoso cervantino”, refere acerca de Saramago, Aguilera. O que não difere grandemente de uma outra influência que o Nobel confessa: “a lição garrettiana é a que me preparou para o futuro, sem eu dar por isso”entrevista a Maria Leonor Nunes (op. loc. cit. pág 15).
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“A Viagem do Elefante" é, afinal, uma metáfora da vida humana, disse ainda o autor à Lusa.
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O “conto”, como Saramago prefere classificar este trabalho, terá sido interrompido, em 2007, após 40 páginas escritas, devido a um problema grave de saúde do autor. A retomada do trabalho e a sua publicação bem demonstram a capacidade de JS, amparado pela sua carinhosa mulher, ultrapassar uma fase de maior fragilidade para nos oferecer mais uma das suas pérolas.
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“Este livro é, além do mais, uma homenagem à Língua Portuguesa. E não creio que se possa querer mais ou melhor para um escritor do que a sua última palavra [se a hipótese se confirmasse – acabara de afirmar] ser uma homenagem à sua própria língua”cit entrevista a ML Nunes.
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Realmente FG Aguilera aponta no sentido de este mais recente título de Saramago poder constituir “uma ficção do próprio escritor sobre a sua obra e sobre a sua concepção do ofício”.
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EU SARAMAGUIANO ME CONFESSO
Na verdade, José Saramago – que Pilar (em boa hora?) nos “roubou” – continua a fascinar-me. Na sua densa e consistente fluidez o verbo desliza facilmente enquanto a nossa imaginação vagueia pelo mundo efabuloso de criaturas e de situações que ele criou ou refundou, de que o arquétipo são o par
Blimunda e Baltasar, figuras bem pouco socialmente correctas, de acordo com os padrões e as regras da época.
Depois, o que o seu laboratório, na sua oficina de letras montado, revela acerca de nomes e evocações históricas! Que de verdadeiro e fantástico ele nos revela de um Ricardo Reis, de um cerco cristão montado à mourisca Lisboa nos recuados idos da fundação pel'
O Conquistador, ou de um Cristo extremamente sensível e feito à imagem e semelhança do Homem!
Poderá parecê-la, mas não se trata de antinomia, coisa nenhuma, aquela densa fluidez.

Bom, e para sossego dos que se queixam da pontuação do autor – como se tanto bastasse para camuflar uma certa antivermelhidão e outras mentais psoríases, nuns casos, noutros para sintetizar uma incompatibilidade estilística – eis que Saramago voltou às vírgulas e à (quase) normal pontuação, como um
bom e qualquer cultivador das letras pátrias, voltando a estar próximo do escorreito e clássico uso da língua...


Mas é claro que por vezes lá resvala,
o criador do Sete-Sóis e da Sete-Luas,
e utiliz a vírgula como se de ponto se tratasse, seguindo-a de maiúscula.
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2 comentários:

bettips disse...

Além da efabulação preciosada nossa bela língua/linguagem, lembro-me duma história de criança: os elefantes caminham em solidão até ao seu cemitério.
Este homem grandioso e poruguês, muito terá feito durante a sua caminhada!
Abç

aminhapele disse...

Ainda não li,nem comprei o livro.
Ficou para esta semana.
Depois,farei as minhas considerações.
O tema,que já conhecia da entrevista da Pilar,é fascinante.

 

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