domingo, 30 de novembro de 2008

A CONDIÇÃO DOS SEM CONDIÇÕES

Sempre se viu, até nas maiores metrópoles, gente a vasculhar os caixotes do lixo para recuperar o que os outros rejeitaram. Durante muito tempo, tais pessoas tinham, quase invariavelmente, aspecto de indigentes. Verdade que algumas procuravam, mesmo, ali, restos que lhes pudesse, por breve tenpo, acalmar a fome.
E já, mesmo então, se distinguiam aqueles que frequentavam esses locais mais por vício que por necessidade.

Com o agravamento de uma das doenças do século, o consumismo, a maioria dos bens de consumo não perecíveis (móveis, electrodomésticos e outros objectos) passaram a ser jogados no lixo, quando a sua reparação se tornava mais cara que a sua aquisição no mercado.

(Quase tudo passou a ser descartável... Até a amizade, o amor, o respeito, a consideração... etc.)

Daí uma nova categoria de clientes destes “cemitérios”. Alguns desses consumidores pertencendo a uma nova classe, emergente de um nivelamento social por baixo, se não promovido intencionalmente, ao menos conseguido com grande eficácia – a pobreza envergonhada.

E é assim que hoje vemos acorrer àqueles locais maior e mais diversificada casta de fregueses deste novo mercado, existente, quase sempre, a céu aberto, junto dos ecopontos.

Da mesma forma que aí convergem, além dos obviamente indigentes, os curiosos e aproveitadores de bens mais ou menos recuperáveis, ainda que com evidentes sinais de excessivo uso ou má utilização.
Como constatei há dias: um indivíduo com claros sinais de activo trabalhador, mas visivelmente “atirado” para o reino dos proscritos, desempregados, reformados ou outros “socialmente inúteis” (como avalia qualquer yuppie que se preze – ou ex-yuppie, já sénior na actividade -, com certificado de tecnocrata e com guia para qualquer instituição financeira ou negócio de enriquecimento rápido e garantias de futuro promissor, com reforma a condizer), pois o sujeito – ia a dizer – de martelo e alicate em punho, tratava de consertar e aproveitar, junto ao ecoponto onde as encontrara, duas janelas de correr, daquelas de marquise, ainda com os respectivos vidros translúcidos e com, pelo menos, parte da restante estrutura.
E depois de martelar aqui, apertar ali, vergar acolá, apertar de novo mais ali, e martelar, martelar sempre... Por fim lá abala, levando com ele a peça, para qualquer destino ou negócio.

Este, como tantos deles que “esgravatam” naqueles restos e trastes, são dos tais que, se tivessem outro estatuto bem poderiam concorrer a um esses “paradisíacos” lares que o espírito altamente “humanitário” e indisfarçavelmente “solidário” dos seus promotores fazem pagar com escandalosos valores, a troco de tristes condições... (Uma espécie de Valle dos Reis à portuguesa, não é Ivone?)

Mas não: com as mesmas dificuldades com que sempre viveram, assim vão acabar o resto dos seus dias...

Até...

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2 comentários:

aminhapele disse...

De acordo com quase tudo.
Acho que,apesar de tudo,a amizade,o amor,o respeito...ainda não são descartáveis.
Mesmo que fossem,para os tais sujeitos,não renderiam patacos!
Um dia destes,indo dar força ao seu texto,conto-lhe a história da Benvinda.

aminhapele disse...

Cumpri a "ameaça"!

 

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