Sempre se viu, até nas maiores metrópoles, gente a vasculhar os caixotes do lixo para recuperar o que os outros rejeitaram. Durante muito tempo, tais pessoas tinham, quase invariavelmente, aspecto de indigentes. Verdade que algumas procuravam, mesmo, ali, restos que lhes pudesse, por breve tenpo, acalmar a fome.
E já, mesmo então, se distinguiam aqueles que frequentavam esses locais mais por vício que por necessidade.
Com o agravamento de uma das doenças do século, o consumismo, a maioria dos bens de consumo não perecíveis (móveis, electrodomésticos e outros objectos) passaram a ser jogados no lixo, quando a sua reparação se tornava mais cara que a sua aquisição no mercado.
(Quase tudo passou a ser descartável... Até a amizade, o amor, o respeito, a consideração... etc.)
Daí uma nova categoria de clientes destes “cemitérios”. Alguns desses consumidores pertencendo a uma nova classe, emergente de um nivelamento social por baixo, se não promovido intencionalmente, ao menos conseguido com grande eficácia – a pobreza envergonhada.
E é assim que hoje vemos acorrer àqueles locais maior e mais diversificada casta de fregueses deste novo mercado, existente, quase sempre, a céu aberto, junto dos ecopontos.
Da mesma forma que aí convergem, além dos obviamente indigentes, os curiosos e aproveitadores de bens mais ou menos recuperáveis, ainda que com evidentes sinais de excessivo uso ou má utilização.
Como constatei há dias: um indivíduo com claros sinais de activo trabalhador, mas visivelmente “atirado” para o reino dos proscritos, desempregados, reformados ou outros “socialmente inúteis” (como avalia qualquer yuppie que se preze – ou ex-yuppie, já sénior na actividade -, com certificado de tecnocrata e com guia para qualquer instituição financeira ou negócio de enriquecimento rápido e garantias de futuro promissor, com reforma a condizer), pois o sujeito – ia a dizer – de martelo e alicate em punho, tratava de consertar e aproveitar, junto ao ecoponto onde as encontrara, duas janelas de correr, daquelas de marquise, ainda com os respectivos vidros translúcidos e com, pelo menos, parte da restante estrutura.
E depois de martelar aqui, apertar ali, vergar acolá, apertar de novo mais ali, e martelar, martelar sempre... Por fim lá abala, levando com ele a peça, para qualquer destino ou negócio.
Este, como tantos deles que “esgravatam” naqueles restos e trastes, são dos tais que, se tivessem outro estatuto bem poderiam concorrer a um esses “paradisíacos” lares que o espírito altamente “humanitário” e indisfarçavelmente “solidário” dos seus promotores fazem pagar com escandalosos valores, a troco de tristes condições... (Uma espécie de Valle dos Reis à portuguesa, não é Ivone?)
Mas não: com as mesmas dificuldades com que sempre viveram, assim vão acabar o resto dos seus dias...
Até...
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2 comentários:
De acordo com quase tudo.
Acho que,apesar de tudo,a amizade,o amor,o respeito...ainda não são descartáveis.
Mesmo que fossem,para os tais sujeitos,não renderiam patacos!
Um dia destes,indo dar força ao seu texto,conto-lhe a história da Benvinda.
Cumpri a "ameaça"!
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