sábado, 29 de dezembro de 2007
A COMUNIDADE BLOGUEIRA EM PORTUGAL
Pacheco Pereira, hoje, no Público, sob o título “A cultura de blogue nacional”, caracterizava, assim, a lusa comunidade: «mostruário da nossa pobreza, da nossa rudeza, da falta de independência que caracterizam o nosso "Portugalinho"».
«Feitos de mil egos à solta», «os blogues são coisa nova, são um fenómeno de per si. Trazem a quantidade, a lei dos grandes números, trazem as "massas". É verdade que apenas uma escassíssima minoria escreve blogues que caibam nesta categoria (...), e que apenas uma minoria os lê, mas nunca na história tanta gente se revela assim no espaço público» – esclarece ainda PP.
E da blogosfera nacional, diz o mesmo blogger que ela «dá um retrato único da mesquinhez da vida intelectual e cultural nacional», já que «a "cultura de blogue" começa a deixar [entre] os seus traços próprios, (...) maior radicalismo político e opinativo, mecanismos de identidade grupais ou tribais, para além da absorção generalizada dos males que o Eça atribuía aos jornais: "juízos ligeiros, vaidade, intolerância", "impressões fluidas" e "maciças conclusões"».
Assim, o blogue, insiste PP «caminha para ser um instrumento suplementar que reforça as duas tendências em curso nos nossos dias: a da substituição da democracia pela demagogia e a espectacularização da sociedade».
Depois, PP alude o forte «envolvimento narcísico» dos nossos bloggers, que têm «uma alta noção de si próprios e estão tão cheios de autocomplacência e de elogios mútuos que consideram um anátema qualquer discurso que lhes pareça exterior e que os ponha em causa».
É claro que há quem sustente que PP, de facto, pretende é tornar como paradigmática a blogosfera que ele conhece (os ditos blogues de referência), considerando-a imune à tal “pobreza”, “rudeza”, falta de independência”, “juízos ligeiros, vaidade, intolerância", "impressões fluidas" e "maciças conclusões", «envolvimento narcísico» e «uma alta noção de si próprios”, “maior radicalismo político e opinativo” e “mecanismos de identidade grupais ou tribais”. E esses críticos chamam a atenção para os incontáveis blogues “pequeninos” e anónimos que povoam a rede, muitos dos quais contribuem para o sucesso, ainda que mais modestamente, desse novo meio de comunicação.
Apesar de, de uma forma geral, os blogues constituírem uma espécie de diário aberto e público, é também um espaço de liberdade. De maior liberdade, digamos, que o jornalismo. Sem qualquer espécie de autocontrolo ou censura. A formação pessoal do blogger, a sua postura e os seus valores são os únicos limites do seu “estatuto editorial”.
Talvez por isso, por se verem mais libertos das exigências das editoras e de idênticas exigências das empresas que sustentam os media tradicionais e até das preferências dos seus consumidores, é que há tantos políticos, professores, jornalistas e outros profissionais dos mais diversos ramos das ciências e das artes com blogues na rede.
É claro que há muitos que fomentam fenómenos de grupismo e amiguismo, que vão crescendo cada vez mais num jogo de menções e links recíprocos e outras trocas de favores.
Realmente, ainda subjaz, e não me parece que tenda a diminuir e a desaparecer, um certo espírito de relação de troca entre os bloggers: “visita-me e comenta no meu espaço, que eu vou ao teu fazer o mesmo, e através dos nossos mútuos contactos alargamos as nossas ‘audiências’”.
O espaço destinado aos comentários desses blogues, aliás, são bem como uma sala de espelhos e de cortesias, onde para além dos complacentes elogios e troca de cumprimentos, pouco ou nada de interesse se pode ler. O que pretendem tais bloggers é tornarem-se “líderes de audiências”, com apreciáveis números de visitas, que eles próprios activamente empolam, por vezes, de forma grosseira ou bem pouco discreta.
Se sempre tive relutância em tal calculada transacção, hoje, então, nem por sombras a suportaria.
Devo desde já fazer justiça e confirmar que nenhum dos blogues que mais frequento se enquadra na “espécie” acabada de referir, no que à atitude dos respectivos autores concerne.
Mas... E no que me respeita a mim: quantas das críticas aqui enumeradas se me aplicam?
Do tal espírito de “calculada transacção” sei que não sofro, nem nela participo.
Mas quanto ao mais importante?
Quanto ao fundo, ao substrato?
Aí, só os meus raros e pacientes leitores poderão ter uma palavra a dizer.
E se o não fazem (a maioria), será para (supostamente) me não melindrarem.
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3 comentários:
Se eu estivesse no seu lugar, dormiria bem descansado e acordaria ainda melhor!
JR
Mais uma encíclica de um "Papa" dos blogues...
Ainda vão querer "regulamentar" o nosso espaço.
O "senhor" tem toda a razão,no que ao seu blogue,e à sua opinião,diz respeito.
Mas deixo o "espaço" para todos e que,cada um,o aproveite livremente no que lhe aprouver!
Os limites do blogger são a sua própria consciência.
É tão narcisista ser blogger,como comentador.
Também,à nossa medida,"fazemos" opinião.
E que mal tem isso?
Não me incomoda nada a opinião do PP,salvo no que ele tenta "impôr" a outros.
Muitos dos fenómenos elencados pelo Pacheco Pereira podem ser, e por certo são, verdadeiros. No entanto, a blogosfera, à qual cheguei há menos de um ano, representa uma real abertura da esfera pública.
Este conceito é interessante e merece alguma atenção. Do ponto de vista arqueológico, talvez seja a ágora helénica o seu antepassado. O conceito, porém, é moderno. Talvez os salões literários dos séculos XVII e XVIII, senão mesmo as reuniões intelectuais nas cortes da Itália do Renascimento, sejam esse lugar primeiro onde desponta, no ocidente moderno, esse lugar de debate de ideias fundado na liberdade, mas, curiosamente, na amizado e nos interesse recíproco dos convivas.
Ao elitismo social desta esfera pública, muitas vezes de pendor aristocrático, sucedeu-lhe uma esfera pública burguesa, mais ampla, baseada fundamentalmente na imprensa. Os séculos XIX e XX são a afirmação plena dessa esfera pública, que se vê ampliada pela emergência de outros meios de comunicação de massas (rádio e televisão).
Façamos uma síntese: a 1.ª forma de esfera pública é muito restrita: nos salões alguns falam entre si, num clima restrito mas marcado pela reciprocidade; a 2.ª forma de esfera pública é muito mais ampla, mas continuam apenas a ser alguns a falar para a maioria (leitores, ouvintes, espectadores). A reciprocidade dos salões foi substituída pela tentação de formatção da opinião pública.
Com a blogosfera emergiu uma nova forma de esfera pública. Em primeiro lugar, é muito mais ampla que as anteriores e veio abrir a possibilidade (digo a possibilidade e não mais) de tornar a emergir uma relação de reciprocidade entre os participantes na esfera pública. Encontramo-nos todos na ágora e emitimos livremente opiniões sobre os mais diversos assuntos.
O que é traumatizante para pessoas como Pacheco Pereira é o facto de verem a sua esfera pública de segunda geração ser substituída pela da terceira geração. Por muita importância que tenha o Abrupto na esfera pública de terceira geração, ela deriva fundamentalmente desse blogue ser a emanação de uma personagem carismática e terminal da esfera pública da segunda geração.
Muito interessante é a referência de Pacheco Pereira à crítica do Eça à imprensa e a extensão que faz, Pacheco Pereira, dessa crítica à blogosfera actual.
A frivolidade da imprensa e da blogosfera é a mesma e funda-se no mero facto de nela se emitir opinião, isto é, aquilo que Platão denominava por dóxa e a que opunha a episteme (saber cientificamente constituído). O que é desagradável para pessoas como Pacheco Pereira é descobrirem (ou serem descobertos) que a sua opinião não é qualitativamente diferente da frivolidade geral que corre na blogosfera, pois não passa de mera e simples opinião. Não digo que seja literariamente igual, digo outra coisa: o que distingue os comentadores consagrados (Pacheco Pereira, Pulido Valente, António Barreto, etc.)não é a qualidade epistémica da sua opinão, mas a sua qualidade literária: os seus textos estão poetica e retoricamente mais bem construídos (julgo saber do que estou a falar).
No entanto, o prestígio destes comentadores assenta num equívoco escondido: a opinião pública olha para os seus textos como se eles fossem mais do que mera dóxa (opinião), como se fossem uma emanação da episteme (saber científico) com que eles aparecem aureolados.
A emergência de uma nova forma de esfera pública baseada na reciprocidade vai permitir que se torne evidente que o que os comentadores tradicionais dizem não é mais do que mera opinião. Mais do que isso, permite mostrar, devido ao contraditório em tempo quase real, que o prestígio desses agentes do comentário se deve a um pequeno embuste: o da utilização de certa aura científica para fazer passar meras opiniões pessoais. Não digo que isto seja meditado. Mas o que está de facto em causa não é a qualidade da dóxa, mas o poder pessoal, onde se mesclam claros interesses económicos, que certas colunas de opinião representam e que alguns dos comentadores muito gostariam de ver mantido na blogosfera. Mas a abertura desta é um terreno menos propício para os seus desideratos.
Para concluir, se se tiver presente que o que os blogues fazem é apenas e só opinião, então a blogosfera é um espelho mais fiel da opinião pública do que a imprensa e outras formas de emissão de opinião. De resto, a blogosfera tem pelo menos o mérito de relativizar a autoridade daqueles que emergiam, na anterior esfera pública, como os fazedores de opinião e «divulgadores» da verdade. Não estou a fazer a apologia do relativismo, estou a dizer que é um serviço útil mostrar aquilo que é relativo (as opiniões de quem quer que seja) como relativo. Só isso...
O Pacheco Pereira disse isto, e o Pulido Valente aquilo e... Muito bem, vamos lá discutir e mostrar que há outras formas de pensar os problemas. É a isto que eu chamo mostrar como relativo aquilo que é relativo.
Bom, entusiasmei-me.
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