segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

ACORDO ORTOGRÁFICO



"Da minha língua vê-se o mar.
Da minha língua ouve-se o seu rumor "
(Vergílio Ferreira)



Aí está, outra vez, instalada a polémica sobre um novo acordo ortográfico entre os países de língua oficial portuguesa

Por mais que Malaca Casteleiro tenha pretendido defender o contrário (actualmente não sei, mas calculo que também), a verdade é que, nessa matéria, andámos sempre a reboque do Brasil.
Subserviência?
“Valores mais altos que se levantam”?

A qualquer observador parecerá que o berço da língua portuguesa foi o Brasil, e não Portugal, de tal maneira aquele domina o processo.
Temos vindo de cedência em cedência, submetendo-nos à vontade e à iniciativa dos nossos irmãos de além Atlântico.
Já há muito que me parece ser tempo de dizer basta.

Aqui há anos parece termos resistido a uma reforma que consistia em acabar com o assento nas palavras esdrúxulas. Donde os hilariantes comentários e análises dessa criança crescida que dá pelo nome de MEC, acerca de casos como o de cágado e o respectivo hipotético termo pós-reforma: cagado.

Os brasileiros são de tal modo os “comandantes” do processo que eles, que curiosamente abrem todas as vogais (o português europeu tem de facto muitas vogais mudas), escrevem e pronunciam, no entanto, Antônio e homônimo (que nós, ao contrário, abrimos), tendo chegado a pretender que alterássemos os nossos António e homónimo por aqueles seus estranhos correspondentes.

Um gracejo muito antigo diz que

quando os portugueses "descobriram" o Brasil,

deixaram lá, da língua, as vogais, e ficaram com as consoantes.

De tal maneira os brasileiros se acham superiores a nós, nesta matéria que - o caso passou-se comigo, não mo contaram (nem o inventei) -, há anos (nos idos 70) numa papelaria, em Copacabana, uma senhora, já entradota (eu era então um jovem com pouco mais de trinta anos), depois de eu dizer ao que ia, se volta para uma colega e comenta: (transcrevo em linguagem fonética) “qu’engràçádo! Êli tem sôtàquê!" Não resisti ao comentário: “como? Eu é que tenho sotaque? Está a ver muito mal: nós é que vos ensinámos a falar, e nós é que temos sotaque? Essa!...”

Bem nos basta ter de ler em "brasilês" quase tudo o que na Net é suposto estar em português!

Deixemo-los abastardar a língua, ainda que isso nos custe. Não temos peso nem força para o evitar. Mas preservemo-la, nós, sem consentir que nos imponham alterações que nada têm a ver com a sua normal evolução cá deste lado do grande oceano.

Não embarquemos nessa de substituir facto por fato; acção por ação; hesitação por esitação, etc.

Há um coro enorme que comenta, a propósito: se ingleses e espanhóis nunca sentiram necessidade de acordos ortográficos, seguindo cada povo das Américas e da Europa o seu caminho, porque havemos nós de nos preocupar com isso?

Chega de acordos. Chega de mutilar a nossa língua para “agradar” e “acudir” a morfologias tropicais!

Agradeçamos o contributo positivo que os falantes do português, por esse globo fora, nos possam dar para o enriquecer.
Mas rejeitemos deturpações e aleijões da nossa língua materna.

Cada qual, nessa matéria, que siga o seu destino, como acontece com hispano-americanos e com anglo-americanos e anglo-australianos. E tantos outros.

A fonte e o berço do português é aqui. Aqui (às fontes originárias) devem acorrer os que quiserem utilizar este meio de comunicação.

Isto sem querer negar o altíssimo valor de tantos autores brasileiros que escreveram preciosos textos nessa – de facto autónoma, reconheçamos – expressão luso-brasileira.

Mas não nos obriguem a “pegar o ônibus” nem a “vestir o fato, de fato não exato” ou “beber o chope ou o suco que não seja exatamente o nosso predileto” ou a “mandar na delegacia o cafageste detetado no banheiro”, nem a “aderir a qualquer ação ou reação”, nem a “termos de comprar na usina de Santo António”, nem a “a visitar o sítio do coronel em Minas”, nem a aceitar, simplesmente, que ele “falou” o que cada um pensava...

11 comentários:

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