terça-feira, 28 de agosto de 2007

«A CORRUPÇÃO ACTIVA DA LÍNGUA PORTUGUESA»

Da perda de valores só não falam os que a perderam...
A pressa de atingir altos patamares em matéria de ter, faz toldar, completamente, os do ser.
A materialidade de objectivos, de gostos e de móbeis, deixa no vazio, abandona à absoluta carência, o lado mais nobre de cada um de nós.

Para além da perda de muitos valores, as próprias palavras deixaram de corresponder a um “peso” que tinham, deixaram de equivaler a uma dimensão muito considerável e respeitada que era a sua.

Ou seja, deixaram de ter qualquer valor, tornaram-se imponderáveis, reduziram-se à maior insignificância. E inutilidade.

Na sua crónica de hoje, no Público, e a propósito de um recente caso concreto, Rui Tavares faz-nos convolar para uma matéria muito séria: «a corrupção activa da língua portuguesa». E adianta que, acerca de tal corrupção, o inquietante alarme, «o primeiro sinal é sempre o aparecimento da "honorabilidade". Esta magnífica palavra, tão do gosto de políticos medíocres e dirigentes de clubes de futebol, ocorre sempre em ocasiões embaraçosas.»
Nem mais.
Observação muito perspicaz.
No mesmo tom, de felina argúcia, de impiedosa mordacidade, Rui Tavares prossegue: «a honorabilidade tem pouco a ver com a honra, de que é uma prima afastada. A honorabilidade é antes uma espécie de verniz que reclama para si um tratamento respeitoso ou "honorável".»
E depois de ter recordado que, antes de mais, «a honra é uma obrigação para o próprio», o jovem historiador insiste numa pertinente sagacidade que atinge, logo de seguida, o seu vértice ao lembrar, com hilariante causticidade: «a honorabilidade é um penacho a ser respeitado pelos outros. Quando alguém clama pela sua "honorabilidade", não quer dizer que seja obrigatoriamente honrado; quer dizer que está convencido de que nós temos a obrigação de o tratar como se fosse.»
Os exemplos repetem-se. São de todos os dias.
Os referidos e outros bem próximos.

Fala-se seriamente de algo, mas é inevitável, na exposição de alguns, a expressão “muito sinceramente”...
Se é hábito a pessoa que discursa ser franca, sincera, verdadeira, transparente, qual a necessidade de fazer tal afirmação?
Ou trata-se de uma excepção?
Se é excepção... Parece bem pouco abonatória.
Se não é excepção, a redundância faz desconfiar que o seja. E muitas vezes acertadamente.

Ou então, e ainda no discurso vulgar, é também frequente a utilização da “palavra d’honra”...
E igualmente aí nos devemos questionar: só mediante tal introdução se deve aquilatar da seriedade de quem dessa forma se exprime?
Se não... Para quê suscitar a dúvida?

Corriqueira e muito popularucha é ainda a garantia: “seja ceguinho”...

Tudo, segundo creio, manifestações de algo pouco abonatório e aceitável...

Rui Tavares, ignorou estes casos banalíssimos. E bem. Para ponderar sobre mais importantes manifestações. A outro nível.
E, curioso, é que ele, embora não reflectindo sob o peso e a experiência de uma provecta idade, está cheio de razão. Não que ela (provecta idade) a muitos traga grande proveito e virtude... (Que sempre acabará por trazer a alguns. Não a todos, claro.)
Mas o jovem autor já reuniu grande parte desse capital, antecipadamente.
Basta-lhe ser ponderado, como é.

«A corrupção activa da língua portuguesa» continua a ser uma realidade cada vez mais “palpável”.

Até quando?




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