quinta-feira, 22 de novembro de 2007

AS FATIAS GROSSAS E AS DIETÉTICAS




No ciberespaço circulam, já há bastante tempo, anexos dispersos acerca da privilegiadíssima, faraónica e milionária reforma de alguns dos nossos concidadãos. Políticos, é claro.

E também sobre os gordos proventos de alguns jovens, na função pública, onde geralmente se praticam vencimentos mais dietéticos. Jovens esses, obviamente, filhos, “afilhados”, protegidos dos políticos.



Já há bastante que sabemos que, entre nós, existem dois mundos: o dos políticos e respectiva roda, e o da marabunta.

Claro que em Portugal sempre foi assim. Só que noutro tempo havia, talvez, mais discrição. Por parte de alguns, um certo pudor, até.

Hoje, não. Os jornais e o Diário da República dão-nos conta de algumas situações. Que doutras nem se fala. A não ser na dita informação que circula no éter.

Todos casos escandalosos. Mas alguns deles, além de escandalosos, absolutamente impensáveis se comparados com figuras desempenhando as mesmas funções noutros países. Mesmo em países ricos. Claro que nessa comparação, os nossos levam a palma aos seus congéneres. E de longe.

Há dias recebi de Paris um dossier completíssimo sobre a matéria. Casos avulsos que foram compendiados. Onde até, talvez, se cometa eventual injustiça relativamente a algumas situações aí citadas.
Mas isto é assim: quando a informação é escassa, avança a imaginação. E nessa altura confundem-se justos e pecadores.

Alguns deles, porém, de tão repetidos e fundamentados, não cheira que se fiquem pela categoria dos boatos sem fundamento, e por inverdades.

Hoje, no Público, uma leitora (identificada) tirou-se dos seus cuidados e de uma forma, o mais discreta possível, abordou o assunto, numa “carta ao director”.

E rezava assim:
“Há dias, o Instituto Gama Pinto anunciava uma vaga para médico oftalmologista com o vencimento de menos de dois mil euros e uma câmara municipal abria concurso para engenheiro electrotécnico com vencimento de 1307 euros. Se compararmos com o vencimento anunciado no Despacho 22237/2005-2.ª série do Ministério da Justiça de 3254 euros para assessoria na manutenção de conteúdos da página oficial daquele ministério, com um assessor que foi ganhar 10.000 euros, com algumas nomeações na Galp e os vencimentos de uns tantos no Banco de Portugal e mais a reforma de um técnico superior de 1.ª classe que acumula com outras remunerações e mais umas nomeações, reformas e acumulações que nos saltam nos jornais ou das publicações oficiais, ficamos com a certeza de que há uns que comem bolos todos os dias e muitos, muitos pouco mais que um caldo. E uma grande parte da população deita-se todos os dias mesmo sem um caldo.”

Nem da “história” se revela, aí, uma centésima parte! E quanto a nomes, preferiu omiti-los.

Trata-se, aliás, aquela carta, de uma reflexão muito serena mas muito realista acerca do panorama social no país.
Depois de lembrar o tema das notícias e das conversas de todos os dias – desemprego e baixos salários – e da consequente insegurança com que se encara o futuro, a leitora deixa um texto pesado e uma dramática previsibilidade:
“O fecho de empresas é notícia diária, muitos ordenados estão atrasados, as reformas ameaçadas e até o Estado está em cacos: nada nos garante que amanhã haja pão em nossa casa.Será da conjuntura, da globalização mas muito também se deve à desumanização das decisões dos nossos governantes: sem políticas que tenham o cidadão como motor e principal alvo das contrapartidas, sem decisões que assegurem um rendimento mínimo aos trabalhadores e lhes possibilite projectar-se no futuro e, além do trabalho, poder usufruir de uma vida com alguns sonhos, não haverá sociedade saudável. O país, mais cedo ou mais tarde, estiolará.”

Voltando à questão do duplo critério na distribuição das fatias - umas bem grossas, outras muito finas, impondo um muito rigoroso (quantas vezes desumano, mesmo) regime, consoante o destinatário -, só me espanta que certo jornalismo de rigor se não tenha ocupado, já, deste desatino em que por cá se vive (ou sobrevive).

Esse jornalismo de rigor deveria investigar a verdade, ou não, do que se escreve e circula por aí, com muita insistência, no correio electrónico e na blogosfera... Seria uma denúncia acertada e a desmontagem de muito farisaísmo e de tanta hipocrisia.

1 comentário:

aminhapele disse...

Já uma vez abordei essa matéria com um amigo:porque não são públicos os vencimentos de todos os que recebem rendimentos do Estado,isto é,de todos a quem pagamos salários e prebendas?
O meu amigo respondeu-me com uma pergunta:
-Gostavas que os teus rendimentos fossem tornados públicos?
Claro que não me importo absolutamente nada:além de não serem invejáveis,não provêm de qualquer situação laboral sigilosa ou confidencial.
Porque não poderia ver os meus rendimentos publicados,em lista por ordem alfabética,onde constassem também todos aqueles de quem toda a gente "fala" na net?!
Porque é que eles têm direito a essa tal confidencialidade?
Há pouco tempo vi publicado o vencimento do Presidente do Banco de Portugal,comparado com o do Presidente da Reserva Federal Americana!
Vemos "jovenzitos" assessores com ordenados de ministros!
Vemos acumulações de "empregos" escandalosas...
Claro que não teríamos nada a ver com isso,se não fossem pagos com o nosso dinheiro!
Nesta,e em muitas outras matérias,há um enorme e pouco democrático silêncio.
Também gostava de saber porquê.

 

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