imagem Paul Hanna/Reuters/Expresso
Na sua crónica de ontem, no Público ("Democracia europeia"), Vital Moreira/VM transcreve, de António Barreto/AB (crónica “Pobre Europa”, Público de DM 18NOV07), o que ele chama um “inesperado ponto de vista” pouco fundamentado: "Sob a aparência de um melhoramento, concretizado em competências marginais conferidas ao Parlamento Europeu, este tratado é um dos mais potentes recuos da democracia na Europa. O Parlamento Europeu, pela sua natureza, estrutura e função, não é uma instituição favorável à democracia. Por outro lado, este tratado relega definitivamente os parlamentos nacionais para a arqueologia política e confere-lhes um estatuto tão relevante para a liberdade como o de uma qualquer direcção-geral dos recursos hídricos."
Barreto faz esta afirmação depois de ter enumerado vários pontos em que a UE tem desenvolvido um grande esforço de grandeza (de importância e indispensabilidade nomeadamente em termos de respeito e poder), no sentido de ficar a par, mesmo acima, dos outros países. Além de que, no mesmo contexto, “pretende ser uma espécie de modelo: a democracia mais avançada, mas também a mais social”.
Tudo isto para, pouco depois, confirmar: “... A Europa quer... Mais Europa. Mais coesão, mais integração, mais federação, mais uniformidade, mais coordenação, mais eficácia, mais políticas únicas e menos forças centrífugas. O tratado constitucional é agora, dizem, o instrumento privilegiado para alcançar esses objectivos. É o meio indispensável à ambição. A diversidade europeia, que todos elogiam sem convicção, é vista como uma fragilidade. Reduzir esta variedade é o fim último deste tratado”.
É este o “inesperado ponto de vista” para VM.
Para o professor de Coimbra, o Tratado de Lisboa é um baú de grandes e agradáveis surpresas. Ele garante os «’princípios democráticos’ da União» e «é ainda no contexto da democracia participativa que deve ser valorizada a instituição do "diálogo social" a nível comunitário, articulando as instituições europeias e os "parceiros sociais"»
Do que talvez VM, que não é neoliberal, se esteja a esquecer, é que a massa dominante na União - soberanistas, federalistas e neoliberais - não entende a democracia nos mesmos termos que nós.
Talvez por isso seja insuficiente (se é que é crível, na prática) que «os parlamentos nacionais [tenham sido] reconhecidos como partes interessadas no funcionamento da UE e nos procedimentos comunitários», como afirma o constitucionalista.
Bem ao contrário do que proclama VM, o que se constata é que os parlamentos nacionais estão cada vez mais condicionados, na sua actuação, por directrizes e regras ditadas pela União.
Uma certa intuição leva-me a inclinar-me mais para AB do que para VM, pese embora a aparente bondade dos argumentos deste.
Para além de alguns subsídios - até ver - não me parece que os “pequenos” tenham algo a lucrar com a implementação do tratado, ainda que ele tenha, de facto, roupagens vistosas e simpáticas. Mas as roupagens, como geralmente acontece, cingem um conteúdo. Melhor dito, envolvem um continente que, por sua vez, esconde um conteúdo incerto.
Talvez, daí, a incredulidade e o pessimismo de tantos europeus.
O que fará correr alguns não-neoliberais?
Não se trata de uma insinuação, minimamente maldosa. Trata-se de uma dúvida que advém do não completo esclarecimento das tais virtudes. Explicadas elas, melhor, mas tendo em conta a realidade político-social que é a nossa (não uma imaginada e ideal), pode ser que nos convençamos.
Aguardemos.
(Os portugueses têm demonstrado à maior evidência que têm um longo treino em matéria de aguardar. Esperar, é a nossa sina).
(Até quando?)
1 comentário:
Se bem entendo,VM cumpre a nobre missão de nos "explicar" o Tratado de Lisboa.
Ele próprio escreveu há pouco tempo que "aquilo" é uma miscelânea tão grande que nós,meros cidadãos,teríamos grande dificuldade em compreender.
Com esse argumento,o referendo seria uma "coisa" inútil.
Nós nunca compreenderíamos a pergunta.
Também entendo que um liberal é sempre um liberal!
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